Isaac Amendoim encarna versão perfeita do Chico Bento em adaptação que manifesta toda a magia dos gibis
por Diego Souza CarlosExistem poucas sensações como ter contato com algo que nos leve diretamente a uma memória calorosa. Adaptações tentam encontrar esse caminho de evocar a essência das obras originais de acordo com termos determinados por estúdios, investidores e autores. Quando uma história consegue superar todas as burocracias com maestria, temos um caso mais do que especial. Um ótimo exemplo é Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa, que dá vida aos gibis de Mauricio de Sousa como uma bela peça cinematográfica.
O longa que expande o multiverso iniciado por Turma da Mônica: Lições e Turma da Mônica: Laços acompanha um dos personagens mais queridos do imaginário popular brasileiro com grandes acertos. O primeiro deles: a escalação de Isaac Amendoim para interpretar protagonista - que é, basicamente, a encarnação do próprio.
Na trama, Chico Bento acorda para mais um dia na Vila Abobrinha focado em conseguir subir em sua amada goiabeira para pegar a fruta sem o dono das terras saber. O que ele não esperava era que sua preciosa árvore estaria ameaçada pela construção de uma estrada na região.
Focado em salvá-la, ele reúne seus amigos Zé Lelé, Rosinha, Zé da Roça, Tábata, Hiro e toda a comunidade para acabar com o projeto da família de Genesinho e Dotô Agripino.
Uma fábula ensolarada
Trabalhar com uma das propriedades intelectuais mais importantes da cultura brasileira, responsável por participar do processo de alfabetização de milhões de pessoas, é uma tarefa desafiadora. Respeitar a obra original e apresentá-la em outra mídia são apenas alguns detalhes que devem ser resguardados. Saindo de duas ótimas adaptações, Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa enfrenta também o gosto amargo deixado por Reflexos do Medo, projeto que não tem relação criativa com as demais produções - e o que fica depois da sessão é apenas doçura.
O que é feito com o longa dirigido por Fernando Fraiha, de Ninguém Tá Olhando e Bem-vinda, Violeta!, vai um pouco além do esperado, utilizando o lúdico de maneira criativa. A fotografia ensolarada nos transporta para um universo leve, com o auxílio de um ritmo de comicidade orgânico e desapegos com o realismo que incorporam a ideia de parábola.
Uma vez estabelecido o ritmo e o estilo, o longa também ganha fôlego ao se inspirar em outra característica dos quadrinhos: assim como as tirinhas no final das publicações são conhecidas por um texto ágil e divertido, existem pequenas pausas na trama para ampliar a vivência dos personagens e apresentar uma pequena injeção de humor à história. Isso funciona para a trama avançar, mas também para reafirmar a essência de Chico Bento, com seu jeito único e soluções curiosas nas situações mais inusitadas.
Experimentações bem-vindas em um filme que faz jus aos gibis
Por se tratar de uma fábula audiovisual, o realismo fantástico coopera para a construção da narrativa. Embora o uso do CGI enfraqueça determinados trechos - o uso de efeitos práticos poderia ser mais efetivo na cena da semente, por exemplo -, toda a cadência da história reflete o quão a equipe conhece e aprecia as páginas de Mauricio de Sousa.
Aproveitando variadas possibilidades visuais, o diretor brinca com as expectativas da audiência ao incluir animações, sequências que remetem a filmes de assalto, jogos de câmera ágeis que refletem a energia de Chico Bento, trechos que trazem a estética de um gibi na tela e uma sequência de encher os olhos com a presença de Tais Araújo.
Abro, inclusive, um parágrafo para abordar as cenas protagonizadas pela estrela de Medida Provisória, Amor de Mãe e O Auto da Compadecida 2 ao lado do brilhante Isaac Amendoim. O laço que guia as interações entre os personagens é cheia de carinho, e tudo é elevado pelo uso do cinema como veículo de determinadas mensagens - da consciência do ser humano enquanto parte da natureza à maneira como nos relacionamos com o todo. Há neste momento, de forma lúdica, uma quebra na linguagem para ampliar a grandeza do que os diálogos representam.
Embora seja um projeto infantil, o longa deve se comunicar com todas as gerações. É, de fato, universal como os gibis. Trechos como os citados acima devem emocionar os adultos e deixar as crianças encantadas. Além disso, as escolhas de roteiro abraçam um compromisso ecológico e social - mais no campo do simbolismo - que engrandece o conteúdo como uma obra de arte que consegue atingir diferentes camadas sem perder a identidade. A produção de Daniel Rezende colabora para que o título esteja nessa trilha.
Isaac Amendoim é o Chico Bento perfeito
Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa consegue driblar algumas pequenas conveniências de roteiro através do talento do seu elenco. Desde que foi escalado para interpretar o protagonista, Isaac Amendoim encantou todo o Brasil com seu carisma. Para além do material prévio divulgado pela produção, o jovem ator consegue encarnar a essência do personagem de Mauricio de Sousa de maneira tão natural que chega a ser difícil pensar em qualquer outra alternativa ao artista. Provavelmente muitos dirão ou ouvirão que “Isaac Amendoim é o próprio Chico Bento”.
A forma como o garoto quebra a quarta parede para brincar com o público, o timing cômico e a dedicação em momentos mais sóbrios são fruto de uma atuação leve, engraçada e, provavelmente, não há palavra que descreva melhor do que fofa. Há espaço para o elenco mirim embarcar na trama com ótimas interações entre o grupinho que se forma no decorrer do longa.
Em conjunto do protagonista, Pedro Dantas (Zé Lelé), Anna Julia Dias (Rosinha), Lorena de Oliveira (Tábata), Davi Okabe (Hiro) e Guilherme Tavares (Zé da Roça) formam um time entrosado, que cativa o público. Enzo Henrique (Genesinho) é um ótimo antagonista e seu pequeno monólogo sobre a construção da estrada vai tirar o riso de muitas pessoas.
Assim como os fãs ficaram impressionados com as primeiras adaptações live-action de Turma da Mônica, Chico Bento e a Goibeira Maraviósa cumpre o papel em fazer jus aos gibis do personagem. O projeto se apresenta como um ótimo exemplo de como realizar a transposição entre diferentes tipos de mídias, aproveitando o melhor de cada linguagem.
Entre tantos méritos, e pequenos tropeços no ritmo, o longa ainda nos lembra que a pureza das crianças pode ser responsável por grandes mudanças. Se você cresceu lendo os quadrinhos do Chico Bento pode se hidratar e preparar os lenços, pois essa aventura é um turbilhão gracioso de nostalgia, sem perder o frescor da atualidade.