Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Fale Comigo

Quando a brincadeira se torna um pesadelo...

por Bruno Botelho

É inegável que o terror é um terreno fértil para novos talentos no cinema. Jordan Peele, Ari AsterRobert EggersJulia Ducournau são apenas alguns que despontaram recentemente no gênero e logo se estabeleceram como nomes cobiçados e renomados. Os irmãos Danny e Michael Philippou, conhecidos pelo canal no YouTube “RackaRacka”, são a sensação do momento pela sua estreia com Fale Comigo.

Desde que teve sua primeira exibição no prestigiado Festival de Sundance 2023, está sendo considerado um dos melhores e mais perturbadores filmes de terror do ano, tanto que seus direitos de distribuição foram adquiridos pela queridinha A24 nos Estados Unidos e, aqui nos cinemas brasileiros, com lançamento pela Diamond Films. Mas o filme é realmente tudo isso ou apenas mais uma boa estratégia de marketing?

Em Fale Comigo, acompanhamos um grupo de amigos que encontra uma misteriosa mão embalsamada e descobre que ela permite invocar espíritos. Como era de se esperar, todos ficam muito empolgados com o novo jogo, mas não demora muito para a brincadeira sair do controle e tomar um rumo extremamente perigoso quando um deles acaba indo longe demais e, por acidente, abre uma porta para o mundo espiritual. Agora, eles estão altamente vulneráveis a várias ameaças aterrorizantes.

Fale Comigo mostra que não é uma boa ideia brincar com forças sobrenaturais

Quem conhece bem terror, sabe que filmes que colocam seus protagonistas em contato com os mortos / espíritos não são nenhuma novidade dentro do gênero. Muito pelo contrário, quando consideramos as inúmeras produções de possessões sobrenaturais lançadas anualmente nos cinemas, onde brincadeiras com tabuleiro Ouija (e outras formas) não terminam nada bem. Porém, Fale Comigo consegue estabelecer bem seu próprio estilo, e também suas regras, envolvendo a misteriosa e macabra mão embalsamada.

Para romper a barreira entre o mundo dos vivos e dos mortos, a pessoa precisa seguir o seguinte “ritual”: acender uma vela, segurar a mão embalsamada, dizer as palavras "fale comigo" e, por último, convidar o espírito a entrar. O único porém é que esse contato com o mundo espiritual não pode ultrapassar os 90 segundos ou uma porta para essa outra realidade ficará aberta com consequências um tanto assustadoras.

Quando eles entram em contato com o mundo espiritual, passam primeiramente por uma espécie de transe e depois pela possessão, onde a trama claramente acena para o uso de drogas com a sensação intensa e viciante experimentada pelo grupo de jovens em Fale Comigo. Celebridades do YouTube, os diretores Danny e Michael Philippou também aproveitam para comentar sobre o uso das redes sociais, já que os personagens que acompanhamos estão mais preocupados em filmar e viralizar na internet com essa brincadeira macabra, sem pensar em tudo de errado que pode acontecer no processo. Evidentemente, o filme poderia cair no erro de ser apenas um conto moralista de advertência, mas tem muito mais a dizer...

O pesadelo quando as barreiras entre o real e o sobrenatural se desfazem 

Fale Comigo poderia ser apenas mais um filme qualquer de terror onde a diversão dos jovens se torna um pesadelo, mas o principal trunfo do roteiro escrito por Danny Philippou e Bill Hinzman é a presença da protagonista Mia (Sophie Wilde). Com a morte de sua mãe, Rhea (Alexandria Steffensen), prestes a completar dois anos e sua relação complicada e distante com o pai Max (Marcus Johnson), ela vive com a família de sua melhor amiga, Jade (Alexandra Jensen), sua mãe e irmão mais novo, Riley (Joe Bird). Em uma festa, ela resolve participar da brincadeira e, logo, fica totalmente fascinada com o experimento.

Mia é o ponto de transição para Fale Comigo. Sem apelar para sustos fáceis (os famosos “jump scares”), o filme constrói uma constante sensação de tensão e desconforto que, progressivamente, fica mais macabra conforme as coisas saem do controle e Mia se vê mais perdida e assombrada pela experiência. O tópico da saúde mental está cada vez mais em alta em produções de terror, sendo pela personagem de Sophie Wilde que Danny e Michael Philippou posicionam suas metáforas sobre o assunto. Como Mia ainda está passando pelo processo de luto pela morte da mãe e distanciamento com o pai, a brincadeira com a mão embalsamada acaba sendo um escape para os problemas de sua vida pessoal, assim como uma experiência viciante e potente que, de certa forma, a faz se sentir viva como a muito tempo não acontecia.

Fale Comigo vai deixando uma narrativa padrão de lado conforme os demônios internos de Mia se confundem com o mundo espiritual e suas entidades demoníacas, então, assim como a dela, nossa percepção da realidade se torna cada vez mais confusa e assustadora. Uma dinâmica interessante e perturbadora que te prende na cadeira em uma atmosfera sinistra. Os diretores Danny e Michael Philippou apostam no “valor de choque”, com cenas pesadas e desconfortáveis, que nos remetem a momentos icônicos de O Exorcista (1973) e Hereditário (2018) e vão deixar o público sem reação e de boca aberta.

Nada disso seria possível sem os efeitos práticos impressionantes, provenientes da experiência deles nos vídeos do YouTube, assim como o trabalho de maquiagem – que chama atenção principalmente na mudança de expressão quando os personagens entram em contato com o mundo sobrenatural. Outro destaque fica para todo o imersivo trabalho sonoro da produção, que enriquece e arrepia com pequenos detalhes captados. Entrando no encerramento de Fale Comigo, se preparem para um soco no estômago com um final extremamente corajoso e que deixa aberto possibilidades para sequências ou derivados. É importante ressaltar também que o filme pode desagradar uma parte do público em busca de respostas e soluções fáceis para o que é apresentado, já que Danny e Michael Philippou não estão nem um pouco preocupados em deixar mastigado a mitologia por trás da mão embalsamada – ainda bem que não!

Fale Comigo nasce como um novo clássico do terror, um hit instantâneo que começa obviamente pela brincadeira sobrenatural envolvendo a mão embalsamada que é carta certeira para viralizar nas redes sociais e entre os fãs do gênero. Mais do que isso, os irmãos Danny e Michael Philippou despontam como nomes talentosos e promissores, com um filme envolvente e perturbador envolvendo possessão espiritual que foge de clichês com sua própria mitologia macabra e misteriosa, com espaço ainda para discussões sobre saúde mental e comportamento coletivo. Ou seja, prepare-se para muitos momentos chocantes!