Perto de completar 20 anos, Kung Fu Panda chega ao 4º filme com muito humor, mas poucas novidades
por Diego Souza CarlosParece engraçado pensar que Kung Fu Panda já está caminhando para seus primeiros 20 anos - e na proximidade iminente da maioridade da franquia, seu quarto capítulo acaba de chegar aos cinemas cercado de dúvidas sobre o quão necessário é expandir uma série que parecia concluída.
Oito anos após sua última aventura nas telonas, Po está de volta em Kung Fu Panda 4 para encarar duas grandes missões: encontrar um sucessor e derrotar uma nova ameaça que promete abalar tanto o Vale da Paz quanto o Reino dos Espíritos. Sob direção de Mike Mitchell, de Bob Esponja: Um Herói Fora d'Água, Uma Aventura Lego 2 e Trolls, o longa conta com Lúcio Mauro Filho, Taís Araujo e Danni Suzuki no elenco nacional de dubladores.
Depois de três aventuras arriscando sua própria vida para derrotar os mais poderosos vilões, Po, o Grande Dragão Guerreiro é escolhido para se tornar o Líder Espiritual do Vale da Paz. A escolha em si já é problemática ao colocar o mestre de kung fu mais improvável do mundo em um cargo como esse e além disso, ele precisa encontrar e treinar um novo Dragão Guerreiro antes de assumir a honrada posição.
Enquanto tenta compreender que precisará deixar a sua função para dar um novo passo em sua jornada, ele se depara com Zhen, uma raposa com muitas habilidades que parece ser a aposta ideal para ser treinada, mas que não gosta muito desta ideia. Como se os desafios já não fossem o bastante, a Camaleoa, uma feiticeira perversa, tenta trazer de volta todos os vilões derrotados por Po do Reino Espiritual.
Mais humor, menos apreço
Existem três elementos que infalivelmente fazem parte desta aclamada série animada da DreamWorks: o amor constante pela culinária manifestada por Po, ensinamentos valiosos inspirados em preceitos chineses e um interessante refinamento estético responsável por algumas das sequências mais interessantes em animações dos anos 2000 e 2010 - em especial nos momentos em que se homenageia outras linguagens animadas em meio ao costumeiro CGI.
Kung Fu Panda 4 tem um pouco desses temperos, mas se destaca muito mais pela comédia do que pela relevância de sua história ou pela inovação estética. Apesar de tocar em temas interessantes, sobretudo nas concepções de legado, as inevitáveis transformações da vida e a ideia de sucessão, o projeto brilha de fato quando tem sequências conduzidas pelo humor. Não há demérito guiar-se pela comicidade, mas quando a trama é subjugada por este elemento, o todo é enfraquecido.
A animação em si segue com momentos interessantes, principalmente quando as movimentações acontecem nas típicas paisagens do Vale da Paz ou na jornada de Po e Zhen rumo à cidade. No entanto, não existe o mesmo refinamento de antes. Apesar da direção continuar dinâmica - a praxe da franquia -, o estilo de animação não tem inspiração o suficiente para que se note algum diferencial em relação a outras produções pautadas pela linguagem.
Capítulo bônus de uma trilogia?
A primeira coisa que muitos pensaram quando Kung Fu Panda 4 foi anunciado foi a breve questão: há necessidade de uma nova história? Com três elogiados capítulos, a história do desajeitado panda que se torna a maior entidade de um vilarejo da antiga China é repleta de valiosos ensinamentos, dos quais podemos sempre lembrar das costumeiras lições sobre autenticidade, generosidade, companheirismo, entre outros.
Em meio a produções que se esforçam para apresentar novidades visuais, principalmente após o fenômeno do Aranhaverso, o público que retornará às telonas pelo amor à saga sentirá falta de ser presenteado por sequências que exploram lugares normalmente inexplorados da linguagem. Não que todas as animações precisem seguir a cartilha das aventuras de Miles Morales, mas não há um respeito pela própria história de Kung Fu Panda quando o quarto volume é colocado ao lado dos anteriores.
Ao deixar escantear os Cinco Furiosos, talvez pela dificuldade de trazer Angelina Jolie, Jackie Chan, Lucy Liu, Seth Rogen e David Cross de volta, o longa escolhe por ser uma aposta sobre novidades. Há uma enxurrada de personagens inéditos que dão as caras neste projeto, e a maioria deles não tem muito mais duas ou três interações. O foco fica em Zhen, a possível sucessora de Po, e Camaleoa, uma nova vilã que pode se transformar em qualquer ser vivo.
Enquanto a raposa demora para mostrar a que veio, muito pela forma como Po facilmente a “adota” para fugir de sua própria responsabilidade, a antagonista tem motivações pouco convincentes. Embora existam aspectos interessantes na dinâmica da reptiliana, o roteiro perde a oportunidade de usar algumas alegorias sobre identidade para introduzir apenas uma personagem frustrada por não ter determinada habilidade.
É possível enxergar como Po, Zhen e Camaleoa se complementam na história, enquanto herói e vilã são opostos, a nova personagem conta com as qualidades e defeitos de ambos - o que garante certa emoção nos momentos-chave do filme, mas ao fim da história, não há aprofundamento narrativo nessas questões.
O futuro do Dragão Guerreiro
A nova aventura da DreamWorks tem seu valor, mas não atinge o potencial visto em outras ocasiões. É como se Mike Mitchell estivesse preocupado em apenas entregar o mínimo - e lembrar que a franquia ainda existe, a fim de sondar a audiência sobre possíveis sequências, séries, especiais e novidades neste universo.
Obviamente, a história é cheia de momentos engraçados, que farão, inclusive, parte do público retornar para casa com saudade das primeiras aventuras deste panda que não só aprende a lutar kung fu como ninguém, mas tem o coração no lugar certo para ser um líder. Ainda que tenha seu tropeços, o longa também pode funcionar como um novo início para estes personagens que dificilmente serão esquecidos pelo estúdio.
Enquanto Shrek e Como Treinar o Seu Dragão estão prontos para alçar novos voos - o primeiro com o aguardado 5º filme e o segundo com o seu primeiro live-action -, cabe ao estúdio deixar de utilizar a nostalgia para chamar os fãs e começar a pensar em como ela pode ser apenas a faísca inicial para se contar uma boa história inédita.
Revisitar franquias em Hollywood tem se tornado parte essencial do calendário anual de lançamentos, mas são poucos que conseguem se manter relevantes nestas novas empreitadas. Como a própria história de Kung Fu Panda 4 sugere, é preciso estar atento a todo instante para que uma bela trajetória não se perca por bobos deslizes.