Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Armadilha

E se M. Night Shyamalan dirigisse um show de Taylor Swift? Este é o suspense de Armadilha

por Aline Pereira

Entrar em uma sala de cinema para assistir a um filme de M. Night Shyamalan é sempre uma ação com desfecho surpresa: o diretor que fez história com O Sexto Sentido e marcou minha memória com um alienígena no Brasil em Sinais, é o mesmo que me deixou de cara feia após sessões de O Último Mestre do Ar e A Dama Na Água. Sempre difícil saber exatamente o que esperar, mas há uma certeza: eu vou querer assistir para saber – e vou otimista. Uma positividade que exigiu algum esforço, me permitiu boa diversão com Armadilha.

Antes do lançamento do filme, a divulgação fez uma boa proposta: o trailer revelou que o personagem principal, Cooper (Josh Hartnett), era um serial killer e que a história se passaria em um show musical armado especialmente para capturá-lo. O que levou, então, a um mistério sobre qual seria o grande plot twist – tinha que haver um com um rei das reviravoltas, certo? Não sou em que vou responder essa, obviamente.

Seguindo uma linha de suspense mais parecida com o que fez em Fragmentado e Vidro (eu não compararia Armadilha a Corpo Fechado de forma alguma!), o suspense e os enigmas vêm muito mais conectados à ação: revelando de cara que Cooper é um vilão, a trama nos coloca ao lado dele dentro de um ambiente aparentemente impossível de escapar. A sensação de estar assistindo a uma história que queria tocar um pouco na fórmula dos filmes policiais foi confirmada pelo próprio diretor depois. “Eu quis, intencionalmente, fazer um filme tipo anos 90”, me disse Shyamalan.

Show “de verdade” é o ponto alto de Armadilha

Armadilha exige muito pouco de seu espectador e não oferece tanto assim em troca, mas enquanto a trama principal se mantinha em sua simplicidade, foi o ambiente que me chamou atenção. A história se passa no show de uma diva pop à lá Taylor Swift (que foi sim, uma certa inspiração para o diretor) – chamada Lady Raven e interpretada por Saleka, filha de M. Night Shyamalan. Musicista talentosa na vida real, a atriz canta no filme e compôs a trilha sonora junto com o pai.

Em boa parte do tempo, o longa acompanha o show de Lady Raven “em tempo real”, em uma experiência bastante vívida que ajuda na sensação de corrida contra o tempo e na agonia do cerco se fechando ao redor do assassino. A direção detalhista de Shyamalan cria um ambiente que transmite a vibração caótica e adolescente de um show pop – se você prestar atenção na plateia, por exemplo, verá que todos os figurantes estão cantando junto, enquanto a jovem atriz Ariel Donoghue, que interpreta a filha de Cooper, é convincente no papel de fã.

A câmera de Shyamalan nos mostra Lady Raven do ponto de vista do protagonista, portanto, só temos uma visão mais próxima dela quando ele também se aproxima e assiste ao show – o que acontece pouco, aliás, porque o personagem não para de andar de um lado para o outro em busca de maneiras de escapar da arena onde o show está acontecendo.

E se Shyamalan tinha a intenção de dar mais visibilidade à carreira musical da filha (honestamente, tive um pouco dessa sensação), deu certo. As músicas de Saleka são boas, assim como sua energia de “pop star”, ainda que a personagem propriamente dita tenha uma participação estranha na trama. Através dela, há uma representação do poder de mobilização que as superestrelas podem ter com seu público, especialmente on-line, mas a discussão acaba rapidamente.

Armadilha é um filme simples, divertido e com DNA Shyamalan

Ainda que coloque ao centro uma questão familiar que é comum à obra de Shyamalan, Armadilha o faz de forma bem mais “light” (estou pensando especificamente no querido A Visita ao escrever isso). Com doses constantes de humor – que funcionam na maior parte das vezes –, o longa tem um protagonista letal, mas frágil. Josh Hartnett lida bem com os dois lados: é convincente como pai cuidadoso, mas transita para o lado sombrio com facilidade.

Na entrevista ao AdoroCinema, Shyamalan contou que procurava por um ator “genuinamente doce e charmoso pelo qual fosse possível torcer, mesmo depois de contar o que ele fez”. A dinâmica dá certo e, apresentando um personagem claramente obscuro, o longa ainda nos desafia a uma espécie de compreensão. Mas nada disso é tão importante quanto a diversão proposta: temos um cineasta habilidoso para conversar com o público e envolvido com sua obra e que, mesmo com deslizes, sabe ser autêntico, uma característica que – talvez cada vez mais – merece destaque.

Aqui, penso que o grande deslize é o final ultra expositivo. A história começa cheia de fôlego ao preparar um suspense atraente, mas à medida que avança tudo fica demais. Em um esquema um pouco Scooby Doo, as explicações e discursos vêm detalhadamente, tudo é exposto de uma forma didática que não conversa com o ritmo que vinha sendo colocado até então.

A sensação é de que Shyamalan queria se certificar de que seu público entendesse todas as pequenas ironias, os segredos e muitos detalhes que já tinham ficado claros antes – bem antes. Em alguns momentos, essa escolha leva a pontos engraçados, mas, em geral, mais atrapalham do que ajudam.

O jogo de gato-e-rato em um ambiente tão contemporâneo e conhecido tem um charme por si só. Ao explorar os bastidores, a operação policial e as artimanhas por vezes super-heroicas de seu protagonista, Armadilha é um blockbuster firme no que quer apresentar e que, seguindo seu clima popstar, ganha mais no carisma e na performance.

Shyamalan criou para si um histórico que gera uma expectativa alta e muito específica no público e, assim, uma faca de dois gumes: nem sempre vai conseguir atendê-la (o que, honestamente, nem parece ser uma preocupação do diretor), mas segura um “selo de originalidade” valioso que traz junto uma certeza: vou querer ir ao cinema com a mesma curiosidade de sempre.