Se Beber, Não Case e Missão Madrinha de Casamento acabaram de se encontrar
por Aline PereiraSe Missão Madrinha de Casamento e Se Beber, Não Case tivessem um lindo e insano bebê, o nome dele seria Loucas em Apuros. Modernizando a ideia da histórias sobre “amigos cometendo loucuras”, o longa da diretora Adele Lim (roteirista dos ótimos Podres de Ricos e Raya e o Último Dragão) combina um humor escrachado, brutalmente honesto e desbocado a um lado emocional difícil de não se identificar. Ainda que acompanhe uma jornada bem específica, a comédia aquece corações com a pergunta número um da vida: o que te faz ser você?
A protagonista de Loucas em Apuros é Audrey (interpretada pela atriz Ashley Park, de Emily em Paris, cujo futuro é promissor em Hollywood), uma jovem dedicada ao trabalho que vê tudo mudar quando seu chefe a manda para a China, com a missão de fechar um negócio importante com um cliente no país – uma escolha que, aliás, já parte de um estereótipo do qual a história caçoa. O chefe “desconstruidão” de Audrey a vê apenas como “oriental” e conclui que, é claro, ela vai conseguir se comunicar com o executivo chinês. Ela não consegue e é a partir daí que o tema central do filme começa a nos puxar para dentro da história.
Loucas em Apuros é um bom filme sobre identidade: o que nos torna quem somos?
Audrey tem ascendência chinesa e foi adotada por um casal de norte-americanos quando ainda era bebê. Criada nos Estados Unidos, a protagonista cresce sem contato com a cultura de seu país de origem – ao contrário de sua melhor amiga Lolo (Sherry Cola), filha de um casal de imigrantes. Audrey e Lolo se conhecem ainda na infância e têm uma conexão imediata, que se mantém até a vida adulta, quando a protagonista pede um grande favor: que Lolo viaje a trabalho junto com ela para China já que a amiga, sim, fala o idioma do tal cliente. Não existe outra palavra para o que se segue a partir daí a não ser caos. O mais puro, delicioso e desesperador caos.
Ao desembarcar do outro lado do mundo, Audrey se sente um alienígena: incapaz de se comunicar ou sequer compreender alguns comportamentos e costumes tradicionais, surge uma nova parte importante dessa viagem: ela quer encontrar sua mãe biológica – uma trama que passa por boas reviravoltas pelo caminho. É nesse sentido que acompanhamos a personagem em uma jornada de autodescoberta, de “fichas caindo” e do que realmente significa pertencer a algum lugar.
Mas a verdade é que o que brilha mesmo nessa história são os verdadeiros absurdos que surgem pelo caminho graças a um grupo de personagens completamente caóticas. Enquanto Audrey faz o papel da protagonista focada, determinada e certinha, Lolo é uma artista de espírito livre (e bolsos vazios) interessada na aventura. A amiga traz com ela a prima, outra figura difícil de explicar, apelidada de Olho de Peixe Morto (Sabrina Wu) e parte de uma comunidade de amigos virtuais que ninguém entende muito bem.
Por fim, a alma da festa: o grupo se completa com o reencontro entre Audrey e uma antiga amiga da faculdade que se tornou uma estrela de cinema, Kat – interpretada por ninguém menos do que a fantástica Stephanie Hsu, que deu vida a Jobu Tupaki, de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo. E acredite: Kat protagoniza algumas cenas que assustariam os multiversos do filme de Michelle Yeoh. Sério. Versátil e sagaz na comédia, Hsu também tem tudo para trilhar um caminho brilhante e é difícil não se deixar cativar.
A comédia de Loucas em Apuros é o melhor da vergonha alheia
Com o grupo reunido, eis o lado “Se Beber, Não Case” da história: é claro que absolutamente tudo dá errado com elas e, ao longo do caminho, o quarteto perde muita coisa – rumos, documentos e a dignidade. Quem ganha com isso é a gente: a comédia de Loucas em Apuros vai virando uma avalanche cada vez maior à medida que a história avança.
Enquanto todas as protagonistas estão em suas cruzadas pessoais para encontrar a própria identidade, os laços e as situações em que são colocadas despertam o que há de mais autêntico (e feroz, vamos colocar assim) em cada uma e o longa certamente não tem medo de ser explícito nos momentos mais embaraçosos. A produção traz para a perspectiva feminina um humor escrachado que é mais comum com personagens masculinos e é na simplicidade bem pensada que se torna uma obra com vida própria – ainda que você reconheça elementos de outras comédias do gênero, este não é filme genérico.
Se você é do tipo que sofre de vergonha alheia, fica o aviso: vai ser impossível escapar ileso dos risos nervosos – e isso é ótimo. São muito satisfatórios assistir (sem fazer parte) algumas situações reais pelas quais provavelmente todo mundo já passou. Mesmo que não seja em trem no interior da China. Ainda que os acontecimentos específicos na vida de Audrey sejam uma fábula de erros e absurdos, existe algo de muito universal em sua história e é muito fácil identificar, entender e simpatizar.
No mesmo ritmo em que a protagonista começa a compreender o que realmente a faz ser quem ela é – e o que ficou faltando no meio do caminho, as mesmas questões são propostas para quem assiste. Entre o grupo de coadjuvantes, há boas histórias sobre as tentativas (em vão) de esconder partes que são fundamentais em nossa personalidade ou ainda de tentar camuflar (ainda mais em vão) os lados que temos receio de encarar e escancarar. Não há artifício que supere a beleza da originalidade.
Mas vale ressaltar também: não se deixe levar pela proposta inicialmente “existencial” do tema: os momentos mais emocionais são bem pontuais, quase desconectados da história. Fica mais por conta do espectador encontrar essas conexões com a vida real, porque elas são muito claras, do que da própria história. A essência e a proposta de Loucas em Apuros são a diversão sem compromisso e, considerando o período em que foi lançado (muito perto do fenômeno Barbenheimer nos cinemas), Loucas em Apuros talvez seja aquele tipo de filme de espírito Sessão da Tarde que não nos pede absolutamente nada em troca – exceto pela disposição de se desligar e curtir a viagem com um balde de pipoca na mão.