Releitura de Frankenstein tem Emma Stone em seu melhor papel
por Bruno Botelho dos SantosFrankenstein, clássico de Mary Shelley, é um dos livros mais influentes da história, e permeia o imaginário popular desde que foi lançado, ainda mais após a clássica adaptação de 1931 pela Universal, estrelada por Boris Karloff e dirigida por James Whale. Desde então, a obra foi adaptada e reimaginada no audiovisual inúmeras vezes ao longo dos anos. Um fruto disso é Pobres Criaturas (2023), filme de Yorgos Lanthimos que adapta o livro escrito por Alasdair Gray (este, por sinal, também inspirado no popular e aclamado romance de Shelley).
Pobres Criaturas se passa na Era Vitoriana e acompanha Bella Baxter (Emma Stone), trazida de volta à vida após seu cérebro ser substituído pelo do filho que ainda não nasceu. O experimento é realizado pelo doutor Godwin Baxter (Willem Dafoe), um cientista brilhante, porém nada ortodoxo. Querendo conhecer mais do mundo, a jovem foge com o advogado Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo) e viaja pelos continentes. Livre dos preconceitos de sua época, Bella se coloca firmemente em seu propósito de defender a igualdade e a libertação.
Pobres Criaturas: Uma jornada de emancipação por Bella Baxter
Pobres Criaturas pode ser considerada uma espécie de releitura de Frankenstein, apresentando uma visão de emancipação feminina a partir de Bella Baxter.
A protagonista interpretada por Emma Stone é resultado de um experimento de Godwin Baxter, chamado de “God” – “Deus”, em tradução, uma sacada nada discreta correspondente ao cientista interpretado por Willem Dafoe. Desta forma, o roteiro adaptado de Tony McNamara, que já trabalhou com Yorgos anteriormente em A Favorita (2018) – quando foi indicado ao Oscar –, mostra desde os primeiros estágios de desenvolvimento de Bella Baxter, aprendendo coisas simples como andar, falar e comer, até partir em uma busca por autoconhecimento e liberdade, se rebelando do controle de seu criador / Deus.
Isso é refletido na própria fotografia e ambientação de Pobres Criaturas. No começo, o preto e branco ressalta seus primeiros momentos em vida, marcados pelo confinamento em apenas um lugar, sem ter noção das nuances do mundo exterior, e controlada pelo seu “criador” Godwin Baxter. Quando Bella parte para sua jornada de descobrimento, o colorido toma conta, assim como a protagonista passa a conhecer diferentes lugares e viver múltiplas experiências.
Uma temática recorrente de Yorgos Lanthimos é a existência humana, o que ele aproveita em Pobres Criaturas com Bella Baxter. Temos uma exploração intelectual da protagonista, quando conhece diferentes perspectivas do mundo real (em aspectos positivos ou negativos), assim como de sua sexualidade – que é uma parte fundamental do filme, desde sua descoberta até vivenciar livremente seus desejos. Em tempos que as redes sociais discutem se as cenas de sexo são necessárias ou não nas narrativas, Yorgos não tem pudor em mostrá-las e, mais importante, faz sem um olhar moralista ou fetichista sobre a protagonista feminina.
Emma Stone brilha em Pobres Criaturas, sua nova parceria de sucesso com Yorgos Lanthimos
Queridinha do público por La La Land - Cantando Estações (2016), pelo qual conquistou um Oscar, Emma Stone é uma das melhores atrizes da atualidade e também foi indicada outras três vezes na premiação, incluindo pela sua parceria anterior com Yorgos Lanthimos em A Favorita. Pobres Criaturas é o papel mais desafiador de sua carreira, onde ela precisa explorar bastante Bella Baxter fisicamente ao longo de seu aprendizado, assim como as nuances emocionais da protagonista em contato com diferentes experiências. Ela equilibra tudo isso magistralmente, com o filme colocando os holofotes na sua atuação e na visão sobre sua própria personagem.
Quem rouba a cena também é Mark Ruffalo como Duncan Wedderburn, um advogado cafajeste e sedutor que leva Bella para conhecer o mundo. Mas ele se destaca mesmo quando o roteiro revela mais camadas sobre o personagem, e se mostra um homem bobo e inseguro que só queria ter domínio sobre a protagonista, o que é aproveitado em cenas mais cômicas. O sempre incrível Willem Dafoe passa bem toda a arrogância do cientista Godwin Baxter com sua obsessão por Bella, ao mesmo tempo que mostra outras camadas desse relacionamento pelo carinho que sente por ela além de uma criação.
Yorgos usa de seu humor ácido para criticar e satirizar a sociedade patriarcal, representada de diferentes modos e nuances pelos personagens masculinos e sua necessidade de controle da mulher, enquanto Bella Baxter domina seu próprio corpo e desejos. Max McCandles (Ramy Youssef) e Alfie Blessington (Christopher Abbott), por exemplo, encaixam bem nesse contexto.
A deslumbrante e excêntrica distopia de Yorgos Lanthimos
Pobres Criaturas é uma verdadeira odisseia deslumbrante e excêntrica de Yorgos Lanthimos, uma ambiciosa criação de mundo distópico e surrealista que funciona perfeitamente dentro da narrativa para refletir as experiências de Bella Baxter ao longo de 2 horas e 21 minutos.
Inclusive, a escolha de ambientação do filme na Era Vitoriana não é uma mera coincidência no enredo, já que o período entre 1837 e 1901 no Reino Unido ficou marcado pelo conservadorismo, quando as mulheres eram discriminadas e marginalizadas socialmente.
Os créditos pela conquista visual não devem de maneira alguma ficar apenas pela condução de Yorgos na direção. Na verdade, é resultado de um casamento perfeito entre a fotografia de Robbie Ryan com o design de produção steampunk realizado por Shona Heath e James Price, exibindo sua estética retrofuturista que combina cenários reais com uso CGI. E, para deixar tudo ainda mais saboroso, temos um trabalho belíssimo de Holly Waddington com os figurinos de Pobres Criaturas, que refletem seu estado de espírito, com referências à sua sexualidade
Vale a pena assistir Pobres Criaturas?
Pobres Criaturas é uma experiência divertida e emocionante que acompanha a jornada de emancipação da protagonista Bella Baxter, interpretada por Emma Stone em uma das melhores atuações da sua carreira. O diretor Yorgos Lanthimos apresenta uma viagem excêntrica de descobrimento e liberdade feminina, visualmente deslumbrante, e que justifica seu destaque na temporada de premiações – recebendo 11 indicações ao Oscar.