Crueldade da exploração humana
por Bruno BotelhoO diretor Alexandre Moratto estreou na direção de longa-metragem em Sócrates (2018), drama aclamado pela crítica que acompanha a história densa de um adolescente negro precisando lidar com a pobreza, a morte de sua mãe e o preconceito por ser homossexual. Em seu segundo trabalho na direção, Moratto continua se aprofundando em questões sociais complexas e urgentes, abordando as temáticas de exploração e do trabalho análogo à escravidão em 7 Prisioneiros, novo filme brasileiro da Netflix.
Em 7 Prisioneiros, o jovem Mateus (Christian Malheiros) aceita trabalhar em um ferro-velho em São Paulo com o novo chefe Luca (Rodrigo Santoro) para ganha uma oportunidade de dar uma vida melhor à família. Porém, ele acaba entrando no perigoso mundo da escravidão contemporânea com diversos outros garotos, sendo forçado a decidir entre continuar nessa situação ou arriscar o futuro de sua família.
7 Prisioneiros é uma história descofortável (mas necessária) sobre as formas de exploração humana
Em entrevista ao AdoroCinema, Alexandre Moratto revelou que maior desafio de 7 Prisioneiros foi a maneira para retratar e falar sobre escravidão, pois se trata de um assunto complicado e real – mas ainda bastante escondido em nossa sociedade atual. Por isso, o roteiro de Moratto e Thayná Mantesso investiga as formas de exploração contemporâneas, como é o caso do trabalho análogo à escravidão.
Entramos em contato com Mateus, um jovem pobre da zona rural do Brasil que recebe a oportunidade de trabalhar em um ferro-velho em São Paulo, com a chance de poder sustentar sua mãe e irmãs. Querendo mudar de vida, ele e um pequeno grupo de adolescentes em condições econômicas desfavoráveis vão para a cidade grande, mas quando chegam no lugar, se deparam com o pesadelo do tráfico humano e escravidão moderna. Logo de cara, um dos maiores acertos da produção é a escolha da ambientação da história no ferro-velho, um ambiente claustrofóbico onde progressivamente sentimos na pele a sensação de aprisionamento – por isso o título do filme – e exploração sofrida por esses personagens principais.
Por causa da temática, a narrativa é naturalmente deconfortável. Ela foge do lugar-comum ao conseguir passar ao público as complexidades sobre o assunto, sem cair no manequísmo barato e com uma visão incisiva sobre essas questões sociais. Para isso, Alexandre Moratto mostra como essas pessoas vão sendo escravizadas e ficando sem escapatória ao precisaram pagar suas dívidas, principalmente com um olhar crítico ao sistema capitalista e mostrando como o personagem Luca faz parte de um mecanismo ainda maior e mais poderoso que ele. Na busca pelo lucro, o Estado não se importa com a qualidade de vida das pessoas, então os trabalhadores passam por situações predatórias para conseguir suprir suas necessidades mais básicas. 7 Prisioneiros foca, justamente, no colapso do estado mental dos personagens adolescentes quando descobrem que são apenas uma propriedade, parte de uma engrenagem de mercado.
Christian Malheiros e Rodrigo Santoro roubam a cena em 7 Prisioneiros
Christian Malheiros, de Sintonia na Netflix, iniciou sua carreira como ator trabalhando para Alexandre Moratto como o protagonista de Sócrates, e brilha em 7 Prisioneiros como Mateus. Ele é o personagem do grupo com as maiores aspirações para sua vida e tenta lutar por justiça e liberdade em nome de seus amigos aprisionados. Passando por reviravoltas importantes na trama, ele aos poucos se choca cada vez mais com o sistema que lucra com o tráfico humano e percebe que não existe uma saída para realidade.
Escancarando a crueldade do tema, Rodrigo Santoro aparece assustador como Luca. Santoro é um dos atores brasileros com maior reconhecimento no mundo todo e participou de produções como Bicho de Sete Cabeças, Carandiru, 300 e Ben-Hur. Seu personagem no filme é, sem dúvidas, o mais repugnante de toda sua carreira no cinema, pois se trata do comandante desumano do ferro-velho e também o intermediário de toda uma cadeia de exploração humana, então ele se destaca por sua relação de opressão com seus funcionários. Muitas vezes o filme cai na dualidade de mocinho ou vilão, mas acerta quando se aprofunda acima de tudo nos dilemas dos personagens.
7 Prisioneiros consegue de maneira aterradora abrir a discussão sobre escravidão em nossa sociedade atual, além de levantar reflexões inquietantes no público sobre nossas proprias atitudes dentro de uma cultura consumista e incitar mudanças comportamentais para deixarmos de fazer parte desse esquema de exploração humana – até que um dia isso finalmente deixe de existir. Por isso, apesar da história ser situada no Brasil, o filme lida com temas universais e necerrários que podem provocar identificação e questionamentos em pessoas ao redor do mundo em busca de mudanças.
Vale a pena assistir 7 Prisioneiros?
7 Prisioneiros é desconfortável e chocante, empurrando o espectador para dentro do abismo da exploração humana e o trabalho análogo à escravidão. Exatamente por isso, é um filme mais atual e necessário do que nunca, pois apresenta discussões sociais urgentes e denúncias sobre o sistema capitalista, que também são capazes de nos fazer refletir sobre o nosso papel dentro dessa cadeia predatória presente na sociedade contemporânea.