Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Órfã 2: A Origem

Órfão de um bom roteiro

por Rafael Felizardo

O ano era 1999, e nele, o terror via nascer uma das maiores reviravoltas já planejadas para uma produção cinematográfica, através do rolar de uma aliança em O Sexto Sentido. Dois anos depois, foi a vez de Os Outros, que bebendo da mesma fonte, entregou a sessão espírita mais reveladora já apresentada por um thriller. Desde então, fazendo o uso de um artifício chamado “plot twist”, o horror mainstream moderno se viu investindo cada vez mais nos chamados “filmes mindfuck”, um subgênero que procura romper com as expectativas para assim causar uma familiar sensação de “não esperava por isso” em seus espectadores.

Dando continuidade à casa das boas ideias, 2009 assistiu a A Órfã – um suspense que poucos esperavam muito – implementar uma inesquecível quebra de roteiro que também viria a se tornar parte da história do cinema. Através da crônica de uma jovem que, a princípio, é uma menina comum em busca de um lar amoroso, Isabelle Fuhrman deu vida à icônica vilã Esther, personagem responsável por ludibriar Vera FarmigaPeter Sarsgaard e também a nós, os espectadores. Finalmente em setembro de 2022, um segundo capítulo da jornada de nossa querida antagonista foi lançado carregado de expectativa, com A Órfã 2: A Origem almejando continuar seu percurso pela distorcida mente de Esther e também um legado de significativa responsabilidade.

De maneira diferente do primeiro, Esther não convence

Como escrever uma sequência se a última obra da franquia encontrou um fechamento sólido? Para essa pergunta, diversas respostas são aplicáveis, mas, nos últimos anos, Hollywood tem optado pelas prequelas – em outras palavras, o famoso "ambientado antes dos eventos de”.

Em Órfã 2: A Origem – ambientado antes dos eventos de A Órfã – após orquestrar uma fuga de uma clínica psiquiátrica na Estônia, Esther viaja para os Estados Unidos, passando-se pela filha desaparecida de uma família rica. Agora em uma luxuosa casa, a usurpadora vai, aos poucos, mostrando suas reais intenções em relação aos recém-adquiridos parentes, colocando em risco seu novo pai, mãe e também o irmão.

Um dos grandes problemas do longa-metragem surge logo nos primeiros segundos de filme, onde fica claro que Isabelle Fuhrman não consegue mais se passar por uma jovem de 13 anos. Transparecendo seu desconforto por conta dos maneirismos de Esther em algumas cenas, por mais que toda a maquiagem aplicada ajude a rejuvenescer a atriz de 25 anos, ainda assim, torna-se exagerado tentar empregá-la como uma pré-adolescente, parecendo mais uma opção baseada em marketing do que no enredo em si.

Tentando esconder a diferença de altura entre a atriz e o resto do elenco, o diretor William Brent Bell ainda utilizou alguns truques para fazer a sua mágica, como o uso de saltos plataformas, longas tomadas com o enquadramento no rosto de Fuhrman e um cansativo número de cortes durantes as cenas.

Um roteiro subaproveitado

Quando se está criando uma ficção, uma das maiores tarefas de um autor é trabalhar a sua obra de maneira que, por mais que ela seja uma invenção, ainda sim seja crível. Dentro dessa perspectiva, torna-se possível encontrar universos fantasiosos com goblins, dragões, elfos e outros seres imaginários, mais acreditáveis do que tramas baseadas na realidade. Tecnicamente falando, o termo que os estudiosos encontraram para explicar esse fenômeno é chamado de “suspensão de descrença”; o grande responsável por estabelecer um familiar sentimento de, mesmo sabendo que estamos consumindo algo fictício, se bem trabalhado, ainda sim ele se faz verossímil, mantendo a imersão do consumidor junto à obra.

Ironicamente falando, o primeiro ato de Órfã 2 parece fazer força para que não acreditemos no que está sendo exibido. Desde o momento em que Esther está no hospital psiquiátrico na Estônia, até o instante em que ela entra em sua casa nova nos Estados Unidos, o longa apresenta uma sequência de acontecimentos que te faz perder toda a credulidade no que está acontecendo – os eventos da fuga, então, nem se fala.

Em um cenário mais pessimista, seria possível dizer que o arco em questão é responsável por romper com a citada suspensão de descrença de alguns espectadores, apoiando-se em um enredo que apresenta soluções pobres para desenvolver a sua trama e atraindo o público para um famigerado “ver o filme enquanto se faz outras coisas”.

Órfã 2 tem um bom terceiro ato

Antes de assistir ao longa, uma importante questão a respeito era: “Levando em consideração que já sabemos que Esther é uma mulher adulta em um corpo de criança, será que toda a essência da franquia não será perdida?”. De fato, passamos a primeira parte do filme com um sentimento de marasmo, uma quase certeza de que nada além do esperado vem pela frente. Com um crescimento no segundo ato e o ápice no terceiro, Órfã 2 consegue surpreender com um plot twist não tão bom quanto o do seu antecessor, mas ainda assim de grande propriedade e imprimindo uma ousadia que por vezes sentimos falta no terror atual.

Se antes o espectador podia se encontrar entre a quase sonolência e uma olhada clássica no celular, agora, com os olhos voltados unicamente para a tela maior, a impressão que fica é a de estarmos vendo um novo longa-metragem, uma experiência que para alguns pode incomodar devido à grande quebra de expectativa em relação aos personagens.

Sendo impossível não comparar primeiro e segundo filme, Órfã 2 leva mais tempo para se encontrar do que seu antecessor, imprimindo uma ambientação mais leve e apostando também no plot twist como seu ponto mais alto. Com toques de humor em seu desenvolvimento, a prequela ainda se arrisca a criticar a busca pelas aparências perfeitas da família tradicional americana, envolvendo mãe, Esther e filho em um desvirtuado jogo de dissimulação que acaba custando caro. Talvez um pouco prejudicado pelo nome que carrega, a experiência Órfã 2: A Origem não deve ser tão prazerosa quanto a primeira, mas ainda assim, com a cabeça aberta e tempo de sobra, vale a pena ser assistido naqueles dias em que procuramos algo para ver mas não sabemos o quê.