Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
O Telefone Preto

Os traumas da infância roubando a inocência

por Bruno Botelho

Um dos nomes mais interessantes do cinema de terror nas últimas décadas, por causa de seus tabalhos em O Exorcismo de Emily Rose (2005) e A Entidade (2012), o diretor Scott Derrickson deixou o gênero de lado por um tempo para fazer parte do Universo Cinematográfico Marvel, onde comandou Doutor Estranho (2016) com Benedict Cumberbatch interpretando o protagonista Stephen Strange.

Retornando ao terror, O Telefone Preto estrelado por Ethan Hawke é sua nova produção nos cinemas, baseado em um conto escrito por Joe Hill, filho dos autores Stephen King e Tabitha King.

Qual é a história de O Telefone Preto?

O Telefone Preto se passa em 1978, quando uma série de sequestros estão acontecendo na cidade de Denver, nos Estados Unidos. Esses crimes estão ligados ao Sequestrador (Ethan Hawke), um serial killer que tem como alvo crianças do bairro. Sua última vítima é Finney Shaw (Mason Thames), um tímido e inteligente garoto de 13 anos, que é mantido refém por ele em um porão, onde há apenas uma cama e um misterioso telefone preto em uma das paredes. Quando o aparelho toca, o garoto consegue ouvir a voz das vítimas anteriores do assassino, e elas tentam evitar que o Finney sofra o mesmo destino cruel.

Adaptação do conto de Joe Hill de mesmo nome do longa-metragem, publicado no Brasil pela coletânea "O telefone preto e outras histórias", o filme é escrito por Scott Derrickson ao lado de C. Robert Cargill. O cineasta trabalha com terror desde o começo de sua carreira no cinema, passando por Hellraiser: Inferno (2000) até Livrai-nos do Mal (2014), então sabe como poucos lidar com o gênero e prender a atenção do público. Em O Telefone Preto, Derrickson retoma sua parceria com a Blumhouse, produtora famosa pelo foco em filmes de terror de baixo orçamento, e entrega um suspense eficaz e claustrofóbico.

O Telefone Preto aposta na construção de tensão e traumas da infância

Longe dos sustos que dominam o cinema de terror em Hollywood, o filme é um suspense sobrenatural preocupado em criar medo pelo clima de tensão e claustrofobia crescente, aliado ao desenvolvimento de seus personagens. Isso fica evidente logo na primeira parte de O Telefone Preto, focada em apresentar os irmãos protagonistas Finney Shaw (Mason Thames) e Gwen Shaw (Madeleine McGraw). É aqui que os roteiristas acertam onde muitos filmes de terror escorregam: criar empatia do público com os personagens.

No primeiro ato, os traumas da infância são expostos por todos os lados, com os sequestros de crianças acontecendo na cidade, mas também com os problemas enfrentados na escola e dentro de casa. Desta forma, conhecemos Finney enfrentando o bullying e seu pai alcoólatra / abusivo Terrence (Jeremy Davies) ao lado da irmã Gwen. Entendemos então essa realidade deles e o trauma com o qual lidam diariamente, mas especialmente o vínculo de apoio criado diante desses problemas – relação fundamental para a eficiência e impacto da trama até os momentos finais. Diante disso que existe uma ruptura com o sequestro de Finney, sendo mantido em cativeiro, enquanto sua irmã tem sonhos que indicam o lugar onde ele pode estar e corre contra o tempo para tentar ajudar os detetives a encontrar seu irmão. 

É nessa dinâmica e relação de afeto entre os irmãos que O Telefone Preto conquista o público, pois desde o começo nos preocupamos com bem-estar deles. Seguindo a essência de obras como Conta Comigo (1986) e It - A Coisa (2017), o filme traça paralelo sobre experiências traumáticas e perda da inocência na infância, com a violência presente nas vidas deles mesmo antes da presença do vilão de Ethan Hawke. Por sinal, as atuações de Mason Thames e Madeleine McGraw são impressionantes por causa do realismo que eles conseguem passar em cada cena e na emoção colocada nesta relação de irmandade. 

Ethan Hawke rouba a cena como um vilão misterioso e cruel

Levando em conta esses traumas na infância apresentados, O Telefone Preto naturalmente se encaminha para o terror psicológico, mas aos poucos revela seus elementos sobrenaturais – caracterizados pelo telefone preto do título, onde Finney consegue falar com vítimas anteriores do Sequestrador.  

Por isso, quem espera por um filme de terror assustador, pode se frustrar um pouco. O diretor Scott Derrickson está bem mais preocupado na criação de tensão constante e usa o ambiente de cativeiro do protagonista (um porão) para progressivamente criar um clima de claustrofobia e desespero com a figura ameaçadora interpretada por Ethan Hawke. Indicado quatro vezes ao Oscar, o ator interpreta o personagem mais perverso de sua carreira em O Telefone Preto, um sequestrador de crianças. 

Com vilões como Hannibal LecterCoringa servindo de inspiração para Scott Derrickson na criação do vilão no cinema, nunca sabemos muito sobre o passado e motivações do Sequestrador, incluindo seu nome verdadeiro. Isso funciona bem para o filme, tornando tudo ainda mais tenso e imprevisível se tratando de um psicopata. No começo da produção, existe a lenda urbana clássica de advertência para as crianças não falarem com estranhos, mas depois essa figura realmente entra em cena e somente sabemos que ele era um mágico e sequestra as crianças em uma van preta, mantendo-as presas no porão de uma casa. 

Um dos elementos mais chamativos dele é o fato de esconder seu rosto atrás de uma máscara demoníaca, que em diversos momentos é alterada de forma e expressão, refletindo a instabilidade emocional do personagem conforme os acontecimentos vão se desenrolando e o mantendo ainda mais intrigante ao olhar do público. É nesse ar misterioso que Ethan Hawke consegue desenvolver a crueldade e ameaça do Sequestrador nos mínimos detalhes, até mesmo quando ele não aparece em tela. Com um estilo chamativo e uma história desconhecida, não estranhe se ele receber um spin-off explorando essas lacunas. 

Vale a pena assistir O Telefone Preto?

Impulsionado por um vilão misterioso e cruel interpretado por Ethan Hawke, O Telefone Preto apresenta uma história simples de terror sobrenatural com o embate entre o bem e o mal, mas se destaca por causa da criação de tensão e claustrofobia constante, assim como no desenvolvimento da relação de afeto entre os irmãos protagonistas – algo que nos causa empatia e faz refletir sobre experiências traumáticas na infância.