Despedida fica ofuscada em montanha-russa de sustos
por Diego Souza CarlosQuando o assunto são franquias de terror, é comum pensar imediatamente em Sexta-Feira 13, A Hora do Pesadelo, Halloween, Chucky ou Pânico. O que estas sagas têm em comum é o fato de surgirem com suas primeiras produções no século passado, seja na década de 1970, 1980 ou 1990. O novo milênio trouxe uma dificuldade de estabelecer novas propriedades intelectuais no gênero e, naturalmente, uma necessidade de se reinventar.
A partir de uma lista um pouco menor do que foi criado no passado, ao lado de Atividade Paranormal, Jogos Mortais e Invocação do Mal - este último com uma bilheteria geral surpreendente -, Sobrenatural ultrapassou algumas barreiras de maneira perspicaz nos cinemas. O primeiro longa do tortuoso caminho da família Lambert chegou aos cinemas em 2010, pelas mãos de James Wan (Aquaman), Jason Blum (M3gan), Oren Peli (Área 51) e Leigh Whannell (O Homem Invisível).
Treze anos depois, a franquia fecha suas narrativas com A Porta Vermelha, longa que marca o primeiro projeto dirigido por Patrick Wilson, intérprete do patriarca da família. Em sintonia com o passar do tempo fora das telas, a trama se passa 10 anos após os eventos do segundo filme, com o retorno dos personagens originais: Renai (Rose Byrne), Josh (Wilson), Foster (Andrew Astor), Dalton (Ty Simpkins) e Kali (Juliana Davies).
Josh segue para o leste a fim de deixar seu filho, Dalton, na faculdade. Em seu primeiro ano na universidade, o sonho do jovem logo se torna um pesadelo e, em pouco tempo, ele se dá conta de que ainda está muito longe de conseguir levar uma vida normal. Quando os demônios reprimidos de seu passado voltam repentinamente para assombrar os dois, ele e o pai são obrigados a retornar à macabra dimensão do Além, enfrentando uma série de novas e ainda mais terríveis ameaças, encarando seus medos mais profundos para, só assim, banirem seus demônios de uma vez por todas.
MONTANHA-RUSSA DE SUSTOS
O longa não demora nada para contextualizar o telespectador. Em um velório mostrado nos primeiros minutos, a família Lambert protagoniza um doloroso momento de união, através da perda de um ente querido. Curta, a cena dá conta de algumas questões, além de situar o espectador que não vê esses personagens há uma década: Josh e Renai estão divorciados; Dalton, garoto possuído nos primeiros filmes, agora é um adulto; os seres malignos ainda atormentam essas pessoas.
Quem é apaixonado por tomar sustos durante jornadas cinematográficas como essa pode ficar contente, pois talvez esse seja um dos aspectos mais persistentes de A Porta Vermelha. Sob direção de Wilson, é nítido que o ator veterano aprendeu bem com os anos imerso neste universo macabro. Há sequências claustrofóbicas em uma máquina de ressonância, fantasmas escatológicos, momentos de “bicho-papão” embaixo da cama e uma enxurrada de outros jump scares.
O realizador, em sua estreia na direção, ainda se atém a um estilo cativante que levou a franquia a furar a bolha em outras ocasiões. Destes recursos comuns à franquia, pode-se citar o uso de planos abertos de maneira charmosa e aterrorizante. Sempre que há muito espaço à disposição na tela, principalmente em ambientes ao ar livre, é possível notar outras coisas acontecendo fora do que está em foco.
No contraponto técnico, os já costumeiros closes que escondem o mundo à volta também estão aqui. Este plano é utilizado para o óbvio - deixar o público na ponta da cadeira esperando qualquer movimento brusco e repentino -, mas funciona como fio condutor de uma história tomada principalmente pelo suspense. Ainda que exista sutileza como em outros capítulos da franquia, Sobrenatural 5 não homenageia uma das cenas mais emblemáticas de James Wan que utiliza esta ferramenta - pelo menos não de maneira efetiva. Quem conhece já sabe: trata-se da sequência em que o Demônio Vermelho surge lentamente atrás do protagonista, no longa de 2010. Ainda assim, há diversos trechos criativos, responsáveis por despertar a tensão em qualquer um.
Efeitos práticos, escuridão e oportunidades perdidas
Em sintonia com os sustos e as dinâmicas fotográficas, o longa também pode ser elogiado por outro aspecto técnico. São poucos os projetos que conseguem trabalhar bem em ambientações escuras, este é um deles. Matt Reeves fez isso brilhantemente em Batman, deixando de lado uma das piores "esquemas" do cinema contemporâneo - usar a escuridão para esconder efeitos especiais ruins -, para, então, mostrar como o soturno protagonista consegue se movimentar nos lugares mais inóspitos.
Em Sobrenatural 5, esse uso da escuridão agrada e é, em sua maioria, bem executado. É importante que seja dessa forma, já que a narrativa necessita de algumas interações na penumbra. O trauma de Dalton, do “ano em que ficou em coma”, se relaciona diretamente com a escuridão. É através dela que o jovem se conecta com o Além, ainda que tenha esquecido de tudo o que aconteceu, a conexão dele e do pai com a projeção astral seguem intrínsecas às suas vidas, mesmo que adormecidas.
Outro ponto que retorna de maneira agradável, pelo menos na maior parte do filme, são os efeitos práticos. Diferente de longas que se apoiam exclusivamente em efeitos especiais, o quinto longa da saga mantém a tradição - do brilho nos olhos dos personagens em locais com ausência de luz aos próprios demônios e fantasmas - mesmo que uma ou outra criatura não tenha tanto apuro estético.
ROSTOS FAMILIARES E ADIÇÕES BEM-VINDAS
Como a última parcela de Sobrenatural, a despedida da família que iniciou tudo soa agridoce. A mitologia soa confusa e pressupõe que o público relembre, minimamente, os mecanismos do Além, das projeções astrais e de como este universo funciona. Durante quase duas horas, a impressão que fica é que a história, de fato, só avança depois de protocolares sustos a cada esquina.
Mesmo sem sustentar o protagonismo durante toda a história, Ty Simpkins retorna como um Dalton atormentado e convincente. Patrick segue no modus operandi do seu personagem, enquanto assume a direção, e a excelente Rose Byrne fica escanteada na história permeada pela distância entre pai e filho.
Em mais de dez anos de franquia, ainda são poucos atores negros que desempenham papéis importantes na história. O destaque aqui vai para Sinclair Daniel como Chris Winslow, mesmo que funcione como interesse romântico e suporte para o desenvolvimento do jovem Lambert, a atriz brilha ao suavizar uma história de horror com os dois pés numa crescente angústia.
Então, adeus?
Em uma época em que estamos tão acostumados a ver o terror utilizado como artifício para tratar de temas densos, que assombram as nossas vidas cotidianas, o longa se perde ao jogar alguns assuntos interessantes ao público e não se aprofundar em quase nenhum deles de maneira dedicada.
Apesar de utilizar o elemento intrínseco à maioria dos filmes de terror, o jump scare, este também é o calcanhar de Aquiles do projeto. Em muitos momentos, há uma sensação de assistir uma sequência de sustos que, não necessariamente, fazem a trama avançar. Há subtextos interessantes em Sobrenatural: A Porta Vermelha, assuntos que permeiam temas como o luto, a depressão, a fuga do passado e até uma possível metáfora à violência doméstica - ainda que ela esteja sob o manto da possessão -, mas o uso excessivo do artifício comum do gênero enfraquece a narrativa.
A mensagem final, todavia, tem sua força. Ao fim, os personagens passam por todos esses percalços para superar suas próprias fraquezas e sustentar relacionamentos falhos. Ainda que o filme não consiga explorar tão bem alguns destes temas, a audiência mais emotiva ficará satisfeita com uma breve frase nos minutos finais. No sentido de “nunca esquecer o que se passou é importante para que algumas coisas não se repitam”, a franquia se despede com uma lição para si mesma. Caso retorne num breve futuro - e isso pode acontecer (habemos cena pós-créditos), há chances de não repetir os erros do passado e retomar o fôlego que fez a saga de terror se tornar tão aclamada.