Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Malcolm & Marie

Uma dupla em conflito

por Barbara Demerov

Após o sucesso de Euphoria e, especialmente, dos dois episódios especiais da série lançados nos últimos mesesSam Levinson agora possui mais um exemplar de como seu olhar enquanto diretor e a intimidade de seus roteiros formam histórias muito particulares, ao mesmo tempo que abrangentes. Malcolm & Marie, estrelado por Zendaya e John David Washington, é um filme limitado no que se diz respeito ao espaço físico, mas ilimitado quando nos baseamos no alcance de seu texto.

Drama sobre um casal em crise se passa em apenas um ambiente e fala sobre traumas, erros e falta de comunicação 

Para muito além de contar com grandes atuações de sua dupla, Levinson mais uma vez parece querer conversar com seu público utilizando não só as palavras, mas a composição do ambiente para tornar tudo ainda mais intenso. Mas, em resumo, é o roteiro que faz de Malcolm & Marie um filme completo e complexo: não conhecemos aqueles personagens mais do que eles mesmos nos contam em suas "viagens" ao passado e às lembranças do que viveram juntos. O filme nada mais é que uma história sobre memórias, traumas, erros e a falta de comunicação de um casal que vive em constante crise emocional - tanto individual quanto no relacionamento em si.

É no silêncio do casal que as respostas nos são dadas, especialmente nas pausas entre a afirmação feroz de um ou a pergunta dolorida do outro. Em breves comparações cinematográficas, é como se Malcolm & Marie tivesse a mesma profundidade dos textos de John Cassavetes (em especial, nas cenas focadas em microexpressões da protagonista de Uma Mulher Sob Influência) e o peso dramático das conversas de Cenas de um Casamento e História de um Casamento. Mas tais comparações se perdem quando nos deparamos com o produto final deste lançamento da Netflix, no qual Levinson mergulha no drama em níveis tão exagerados quanto teatrais.

A violência é menos crua e mais mental, não tão visceral quanto no clássico de Cassavetes. Mas a inspiração de Levinson é clara nas palavras que saem da boca do casal e no aproveitamento do ambiente único - no caso, uma enorme casa de vidro. Inclusive, o diretor utiliza todas as cartas que tem dentro da limitação em se filmar uma produção durante a pandemia, e faz isso muito bem com travellings (movimento de câmera sob um carrinho), cenas filmadas ao ar livre e que parece distante dos atores. Isso tudo ajuda na sensação de distanciamento do próprio casal, ao passo que Malcolm e Marie querem dizer muitas coisas e não conseguem.

A "sessão de terapia" involuntária que se sucede no período de uma noite inteira é, sim, desgastante. Por vezes, é até difícil torcer pelo casal que dá título ao filme (e que, de fato, parece mesmo muito apaixonado). Mas isso não se torna um defeito à obra em si, pois o que Levinson claramente quer causar no espectador é uma reação intensa ao que falhas na comunicação (e em ver o outro que está à sua frente) podem causar. É como uma bomba-relógio que explode na casa sem aviso prévio - além das insatisfações silenciosas que perderam o prazo para serem ditas em voz alta.

Enquanto Zendaya entrega uma Marie dedicada a fazer o relacionamento funcionar e disposta a abrir seu coração, o Malcolm de Washington tenta se equilibrar entre o brilho no olhar de finalmente ter feito um filme de sucesso e a atenção dada à companheira. É por isso que a situação que acende a fagulha vista no filme seja tão auto-explicativa: Malcolm & Marie fala muito sobre ego e a dificuldade em se colocar no lugar do outro. No caso de Malcolm, valorizar quem sempre esteve ao seu lado. Ambos os atores tiram o melhor de si e ajudam a fornecer força mútua em cena. Há destrutivididade e também momentos de afeto, intensamente distribuídos entre leves cortes e pausas no decorrer da noite.

Malcolm & Marie apresenta bem o talento de Sam Levinson tanto na direção quanto em seus textos autorais, que são refletidos com bastante vigor por atores que mergulham profundamente na emoção de cada palavra. O aspecto teatral dos diálogos, o curto espaço de tempo e o tom poético do preto e branco são combinados com a possibilidade de o espectador decidir por tomar um lado - ou simplesmente compreender que os dois possuem sua parcela de razão. Como a cena final deixa bem expressiva, não há nada como um dia após o outro... Ou uma noite passada em claro.