Uma princesa num castelo nada encantado
por Katiúscia ViannaAdoro quando o mundo dá voltas. O lançamento de Crepúsculo foi em 2008, mas Kristen Stewart é julgada por sua performance nos cinco filmes até hoje. Sua Bella Swan era uma personagem simplista, enquanto os atores, claramente, se sentiam presos numa franquia lucrativa, mas nada desafiadora. Com o fim da saga, a atriz se libertou, investindo em papéis mais complexos e inesperados. Mas ninguém esperava que ela seria escolhida para viver uma das figuras mais famosas da história: a princesa Diana. Mas o diretor Pablo Larraín conseguiu visualizar que ela seria perfeita para estrelar Spencer.
Qual é a história de Spencer?
Todo mundo conhece a trágica história da princesa Diana, que nos deixou tão cedo e se mostrou como um símbolo de compaixão e rebeldia contra a monarquia britânica. Porém, Spencer pretende mostrar, de forma lúdica, o momento que a esposa do príncipe Charles decidiu deixá-lo e chocar a sociedade. O filme é ambientado durante o feriado natalino de três dias, na fazenda Sandringham em Norfolk, Inglaterra; culminando numa série de acontecimentos que levam à tal decisão durante os anos 90.
Spencer está longe de ser sua biografia comum, apesar de resgatar bem os trejeitos de Diana. Logo no início, o longa se intitula como "uma fábula inspirada numa tragédia real". Ou seja, se você está procurando uma história com fatos verídicos, comprovados historicamente com precisão, essa não é a opção para você. Felizmente para esse público, existe a série The Crown, onde Emma Corrin representa essa fase da vida de Diana com maestria.
Agora, se você não se incomoda em ver uma versão mais lúdica dessa história, utilizando toda a liberdade que apenas a arte pode apresentar, então você está no lugar certo. Por mais que as pressões sofridas por Diana estejam retratadas na tela, elas são contadas quase como uma sutil história de terror, algo mais distante de Jackie, estrelado por Natalie Portman, também de Larraín. Dessa vez, temos direito a momentos bem sérios, mas também temos ilusões e fantasmas de uma narradora que não é 100% confiável.
Spencer traz o clima sufocante da realeza
A primeira vista, parece inacreditável que a vida da realeza possa soar como tamanho pesadelo. Afinal, viver no luxo, cercada de ostentação, figurinos caríssimos e castelos pomposos não se comparam aos dramas reais de passar fome ou não saber se vai ter dinheiro para pagar todos os boletos no fim do mês. Porém, Larraín constrói um clima tão sufocante, que é impossível não se solidarizar com os problemas de Diana. Principalmente quando fica claro que isso está afetando a saúde mental da adorada princesa.
Diana não decide nem a roupa que vai usar para jantar; precisa seguir os horários e padrões rígidos da realeza, que nem permite manter abertas suas cortinas de janela. Estar constantemente sob os olhares controladores do Major Alistar Gregory (Timothy Spall, sempre incrível), encarregado de fazer toda a família real (mas, principalmente, a mãe de William e Harry) seguir as normas. Ela é uma princesa enjaulada, feita para apenas sorrir para as câmeras. Por mais que a gaiola seja bonita, ainda é uma gaiola.
Porém, o pior é viver em seu casamento infeliz, representado num belo colar de pérolas. Eu conheço muita gente que faria qualquer coisa por um colar de pérolas (talvez eu mesma esteja dentro desse grupo), mas, para Diana, representa a infidelidade e o descaso de seu marido. Pois é o mesmo colar que ele deu para sua amante Camila Parker Bowles, nunca citada diretamente, mas representada numa breve cena, dando um sorriso enigmático para a protagonista. Ou seja, o colar de transforma numa coleira, sufocando-a literalmente.
Kristen Stewart tem a melhor performance da carreira como Diana
Ao mesmo tempo, Diana não é uma santa. Em sua primeira fala, já solta um palavrão, pois se encontra perdida no caminho até o palácio — numa metáfora nada sutil sobre como a protagonista está perdida em sua própria vida. Ela também se nega a andar com seguranças, não quer participar das brincadeiras, tenta se rebelar da maneira que pode, pois não sabe até onde conseguirá controlar. O problema surge quando percebemos que está perdendo o controle de si mesma. O filme não tem medo de representar sua bulimia, nem mostrar tendências perigosas que a princesa teve em seus momentos mais problemáticos.
E, nessa jornada, Kristen Stewart se transforma diante dos nossos olhos. Nenhum de seus maneirismos aparece em tela: somente os trejeitos de Diana. Sua fala muda além do sotaque; tem outra cadência, um tom mais rasgado e triste. Já sabíamos que o talento da atriz existia — afinal, ela é a única americana a ganhar um Cesar Awards, por seu trabalho em Acima das Nuvens. Mas nunca ficou tão diferente quanto em Spencer. O trabalho de caracterização ajuda, é claro, com os cabelos impecáveis e os figurinos fabulosos; mas o mérito é dela.
Sem falar que o filme necessita que a atriz principal funcione numa linha tão delicada, que seja realista o bastante para ser respeitosa, mas também consiga trabalhar com o lúdico proposto pelo roteiro de Steven Knight (Peaky Blinders). É conseguir representar uma pessoa buscando seu caminho de volta à realidade, principalmente num lugar que parece tão deslocado de tudo aquilo que pareça natural. Ao mesmo tempo, precisa ter a simpatia que Diana carregava, a ponto de conquistar o mundo. Muitas já tentaram viver a princesa, boa parte delas falharam, mas Kristen brilha.
Vale a pena ver Spencer?
A performance de Kristen Stewart é tão magnífica, que rouba todos os holofotes na temporada de premiações. E olha que o filme ainda conta com grande elenco coadjuvante como Sally Hawkins, alguém que nunca erra em suas performances, novamente encantadora como Maggie, uma das únicas aliadas de Diana. Ao mesmo tempo, Jack Farthing consegue dar um pouco de complexidade para o príncipe Charles, apesar dele, claramente, não ser o foco dessa história.
Spencer é uma visão quase fantástica sobre uma princesa que desejava ser livre. O interessante é como Diana tenta fugir do mesmo destino de Ana Bolena — morta por sua suposta infidelidade, quando era o rei Henrique VIII que desejava casar com outra mulher. É uma analogia palpável para a protagonista, que decide ter um final diferente. Sabemos que, na vida real, sua vida culminou em tragédia, mas a jornada que vemos no filme de Pablo Larraín é algo comovente.
É bem provável que a família real britânica não aprove esse filme; nem aqueles que queriam mais fofocas sobre a monarquia, mas gosto de pensar que é o suficiente para honrar o legado da princesa. E que nos deixe a lição sobre como é impossível domar uma alma... Que o diga Diana. E Kristen Stewart!