Entre Anne Hathaway e Jessica Chastain, quem consegue parecer mais suspeita?
por Aline PereiraAnne Hathaway e Jessica Chastain estiveram no elenco de Interstellar (2014) e Armageddon Time (2022), mas eu nunca havia pensado nas duas trabalhando juntas desta forma como fizeram em Instinto Materno. Imediatamente depois de assistir, me pareceu uma escolha óbvia (no melhor sentido da palavra), de tão certeira. Formando um páreo duríssimo na categoria “personagens que definitivamente estão escondendo alguma coisa”, a dupla traz para 2024 o clima de alguns suspenses dos anos 90 com uma história – que poderia ter sido feita naquela época, aliás – em que a boa performance de suas estrelas compensa a mão um pouco pesada nos clichês.
Ambientada nos anos 60, a história de Instinto Materno acompanha Céline (Anne Hathaway) e Alice (Jessica Chastain), que são vizinhas, melhores amigas, mães de dois meninos da mesma idade e donas de casa. Por trás das aparências perfeitas, no entanto, é claro que há segredos escondidos e a relação entre elas é abalada profundamente por um acontecimento trágico e repentino: o filho de Céline morre em uma circunstância que faz surgir uma série de conflitos e desconfianças entre as duas famílias.
Instinto Materno não faz grandes promessas, mas funciona bem na superfície
A partir daí, o que temos é um mistério não só sobre a morte da criança, mas sobre a amizade entre as protagonistas, a relação entre os vizinhos e as verdadeiras intenções das duas. Para a parte do público que já está mais habituada a assistir suspenses psicológicos, as evidências sobre o grande plot twist do filme podem parecer fáceis de decifrar porque bebem de algumas das fórmulas mais clássicas do gênero, dos olhares de inveja ao enigma dos personagens que sofrem de distúrbios de saúde mental.
Sem spoilers, é claro, mas a falta de elementos mais engenhosos do longa dirigido por Benoît Delhomme (que tem entre seus trabalhos mais notáveis a direção de fotografia de A Teoria de Tudo, O Menino do Pijama Listrado e Um Dia) não ajuda a distinguir Instinto Materno de outras diversas produções parecidas. À esta altura do campeonato, suspenses como Cisne Negro, Garota Exemplar, O Presente, entre outros, nos mostraram que é possível (e preciso!) dar um passo mais ousado no aprofundamento dos personagens e na dinâmica das reviravoltas.
E é aqui que volto a destacar: o grande trunfo não está exatamente na história, mas, sim, no elenco. Enquanto esperava o desfecho para descobrir se meus palpites estavam certos ou não, foi a dinâmica entre as duas mães e os filhos o que de verdade me manteve entretida. A sensação é de que a maior parte da tensão vem da habilidade dramática das duas atrizes principais.
O que é preciso ter para ser uma boa mãe?
O título faz um convite interessante: ao explorar de forma sombria o que é que torna alguém uma boa mãe, o filme nos apresenta uma boa briga de “instintos” que passam com mais ênfase pela questão maternal, claro, mas que também têm a ver com proteção própria – tanto em termos de sobrevivência física propriamente dita, como também na compreensão do que realmente nos move (e o que fazer com isso).
Céline e Alice são mulheres que levam vidas muito semelhantes, mas que têm visões e prioridades completamente diferentes. Entre elas, existe um embate entre a satisfação e o desejo ativo de ser mãe e esposa contra a angústia de se sentir “presa”, de alguma forma, a esse papel. Ambas enxergam muito do que falta a elas refletido na outra e a atmosfera tensa criada por Anne Hathaway e Jessica Chastain dá vida a esse clima pesado de forma envolvente.
Na relação com os filhos (com destaque para o pequeno, fofo e levemente sinistro Eamon Patrick O'Connell), as diferenças entre as protagonistas também é um assunto de destaque no filme. Fica um sentimento constante de incômodo em relação ao cuidado com as crianças – por um lado protetor e volátil demais, por outro, livre demais.
O julgamento sobre o modo como as mães tomam conta de seus próprios filhos também pode ser um ponto de reflexão sobre o longa: o medo de errar somado à certeza de que estão sendo vigiadas por sua comunidade complica a vida de Céline e Alice e elas nunca parecem completamente confortáveis. Como espectadores, nos resta sentir o incômodo e também desafiar nosso próprio “desconfiômetro para detectar quais são os verdadeiros perigos que rodeiam as duas famílias.
Quando acontece a tragédia que dá início ao suspense, um ponto em comum liga as duas: temos duas personagens que precisam provar constantemente que estão dizendo a verdade ou que, no mínimo, estão lúcidas – e isso parece uma tarefa impossível.
O filme utiliza a clássica ferramenta do desequilíbrio emocional para criar confusão em quem está assistindo: enquanto Céline sofre as consequências devastadoras do luto, Alice traz um histórico de tratamento psiquiátrico que serve para plantar dúvidas sobre suas percepções dos acontecimentos: é paranóia ou realidade? Na teoria, a premissa é interessante para fazer um paralelo sobre o medo solitário enfrentado pelas mães em relação à proteção de seus filhos, mas a trama não leva esta discussão muito adiante.
Novamente: fica com as atrizes o “grosso” do trabalho de expressar essas angústias sem dialogar com tanta profundidade ou mostrar tanto sobre elas – fosse uma dupla menos afinada, o filme certamente perderia muito mais. Quem já é fã ou acompanha o trabalho delas, o entretenimento é garantido e o perfil relativamente parecido de Anne Hathaway e Jessica Chastain cria um equilíbrio milimétrico.
A iminência do conflito que está em todas as cenas entre as protagonistas é o que torna Instinto Materno um filme divertido de se acompanhar e é sempre positivo quando a resolução do mistério não é o único ponto de interesse. Ainda que você, provavelmente, consiga resolver o quebra-cabeça antes de o próprio drama te contar o que está acontecendo, há uma boa porção de cenas com um clima teatral que são envolventes por si só e por uma dupla que, agora, espero muito rever em outras histórias.