Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Nardjes A.

Uma visão do futuro

por Barbara Demerov

O diretor Karim Aïnouz (A Vida Invisível) possui descendência árabe. Com isso, sua primeira viagem à Argélia não só foi importante para ele enquanto cineasta como também de um modo mais próximo e pessoal. O documentário Nardjes A. nasce, então, a partir da intenção profissional de se contar uma história atual e da vontade humanística de Karim em se encontrar - ou reencontrar a esperança em algum lugar fora de casa.

A jovem Nardjes é a personagem em destaque aqui, cuja voz guia o espectador para as manifestações políticas (e pacíficas) na Argélia contra o presidente Bouteflika, que esteve no poder desde 1999 e renunciou diante das ações da população. Medidas do governo foram tomadas para tentar apaziguar a movimentação semanal nas ruas, mas desde o dia 16 de fevereiro de 2019 elas continuam acontecendo. O filme destaca em letras garrafais (e em vários idiomas) a história de forma resumida, mas com o som ambiente de protestos ao fundo.

Nardjes A. prefere focar sua narrativa num só dia, sob o olhar e experiências da jovem, como se estivesse dando um zoom naquela perspectiva. E de fato o diretor consegue ter um foco muito ágil ali, mesclando a narração da garota falando sobre sua família de mártires (pai, mãe e avós) com sua atitude segura nas ruas. Ela cumprimenta senhoras que defendem a ação dos cidadãos, se emociona quando ouve e canta músicas tradicionais, observa atentamente cada passo dos que transitam as ruas.

Aos olhos de Karim, Nardjes é tida como uma espécie de mestre, uma instrutora que dá as coordenadas à todos e que claramente se orgulha de tal feito. Por isso, o documentário ganha mais traços que destacam o poder da juventude do que dos atos de protesto em si - fator esse que não diminui o poder da história que o cineasta quer contar, mas por ser contada de modo tão fechado, não abrange todos os pontos do cenário político e social da Argélia. Isso seria muito bem-vindo para ir além dos letreiros iniciais e finais do filme e ampliar ainda mais o contexto.

No todo, Nardjes A. garante momentos de reflexão e de esperança por um futuro mais pacífico, graças às atitudes que a personagem apresenta e pelo seu brilho no olhar ao ver as multidões ou falar com sua mãe ao telefone no fim de um longo dia. Apesar de muito jovem, sua presença (tanto em tela quanto na vida real, tomando a frente de forma natural) emana uma força inspiradora. Karim enxerga isso enquanto indivíduo e projeta tudo em tela, filmando sempre muito próximo ao rosto de Nardjes para captar todas as nuances desta face que luta pelos antepassados e pelo futuro de uma vez só.

Filme visto no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2020.