Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
There Is No Evil

Sob o olhar dos que geram sofrimento

por Barbara Demerov

There Is No Evil é uma obra bastante singular na tela, mas também em tudo o que envolve seu processo até chegar aqui. O diretor Mohammad Rasoulof foi banido de sair de seu país, o Irã, assim como de filmar seus filmes. De uma forma ou de outra, conseguiu driblar a segunda proibição justamente fazendo um filme que critica as leis de pena de morte que existem onde vive. Tal confrontação funciona enquanto cinema, pois a medida que o cineasta toma para deixar sua mensagem clara é a de dividi-la em quatro contos.

Tais contos são independentes com relação às personagens, mas a principal conexão e linha de pensamento estão sempre ali. Trata-se do desenvolvimento de perspectiva de homens que trabalham do outro lado do sofrimento: não daqueles que perdem pessoas pela pena de morte, mas por aqueles que pressionam o botão que acabará com a vida de um e transformará as de outros. É um olhar delicado, mas Rasoulof insere um nível de humanidade em cada personagem não só de forma sensível mas também autêntica.

Afinal, pode ser que aqueles homens, que são encarados como assassinos por alguns, façam isso por obrigação e carregam um peso invisível na mente. There Is No Evil não os perdoa mas também não os vilaniza, pois a perspectiva de todos os contos do filme prioriza o sofrimento deles, que ficam após os presos serem levados por um sistema carcerário complexo. A primeira história é a mais potente em termos de surpresa, pois nos apresenta um mero pai de família. Ele busca a mulher no trabalho e a filha na escola, cuida da mãe idosa... E a câmera acompanha sua presença impassível até quando este faz seu trabalho noturno na prisão.

A segunda história traz um jovem na noite em que terá de fazer sua primeira execução. O cineasta aproveita para destacar aqui que os jovens do país precisam comprovar a realização deste trabalho para conseguirem sair do país, garantir um passaporte e construir uma vida digna. Com isso, vemos o martírio deste homem que entra numa espécie de surto e age por impulso. Já as histórias seguintes ganham mais foco no drama familiar, o que não diminui o impacto do longa mas, de certa forma, se distanciam um pouco da temática predominante.

O grande twist narrativo ocorre ainda na primeira história, quando a execução entra naquele universo de homens comuns de sobressalto. Portanto, nada do que vem adiante é tão marcante quanto a tal cena do primeiro conto. Como a terceira e quarta história falam sobre o peso das escolhas destes homens tão diferentes e semelhantes - e o que poderá ser feito daqui para frente para amenizar tais feitos -, There Is No Evil não se limita ao desenvolvimento de uma trama apenas política e questionadora. Rasoulof entende que as pessoas por trás das salas da morte ainda são pessoas. Ele as aproveita para formar uma crítica ainda mais embasada de que quem paga o preço por esta ação não são só os mortos, mas também os vivos.

Filme visto no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2020.