Afrontamento histórico
por Barbara DemerovExperiências cinematográficas entregues em filmes como Mosquito vão além do peso da história contada na tela. Por se tratar de um filme de guerra, com a câmera agindo como um companheiro do protagonista, quase sempre por trás de seus ombros, é muito fácil para o espectador se sentir compenetrado o suficiente e mergulhar profundamente naquele universo específico. No caso, esse é o universo do avô do diretor português João Nuno Pinto.
O jovem soldado Zacarias, extremamente patriota e orgulhoso ao dizer que se alistou ao Exército durante a Primeira Guerra Mundial, é o protagonista de Mosquito. O espectador acompanha do início ao fim uma viagem do soldado à Moçambique, na qual Zacarias sempre se encontra e se porta no papel de colonizador. A intenção do diretor é a de confrontar a própria história, o próprio passado do homem europeu e do imperialismo em si. E é muito efetivo o modo como a história se revela cada vez mais contraditória e intensa, ao passo que o próprio Zacarias passa a se questionar a partir de certo ponto. A viagem em busca de aprovação toma a direção oposta.
No entanto, a imagem que temos do jovem soldado é sempre daquele homem que cumpre seu papel de emanar poder e autoridade perante aos civis. No caso de Mosquito, os africanos, sempre inferiorizados ao olhar do jovem. Zacarias, ao mesmo tempo que inocente e cego pelos ideais de seu país, comete atrocidades de forma tão convincente que os efeitos de cada uma entregam uma intensidade marcante (para não dizer incômoda). Porém, existe um belo trabalho de equilíbrio no andamento da narrativa, com violência tomando conta da beleza natural e vice-versa. O cineasta traduz sentimentos antagônicos com uma facilidade impressionante, muitas vezes apenas aproveitando ao máximo dos cenários e da postura de seu elenco.
Além disso, é através de viagens mentais e delírios do protagonista que encontramos essas nuances da linguagem imagética em Mosquito. As múltiplas faces envolvendo o medo, a coragem e a aceitação são notáveis -- e todas elas aparecem nos momentos mais precisos para fazer com que Zacarias se surpreenda mais e mais, da mesma forma que o espectador se pegue refletindo sobre quem é o verdadeiro dominante.
Mosquito é um trabalho que costura muito bem sua mensagem atemporal através de belas imagens, uma fotografia fantástica e o uso de um personagem real e tão rico em complexidade. Zacarias faz questão de dizer que gostaria de ter ido para a França, não à Moçambique. O filme de 2h traça suas árduas andanças pela savana africana, acompanhado por quem mais gostaria de ficar longe. Mas é justamente este caminho que ganha peso na composição das camadas de um europeu que acredita ser superior a princípio, e que termina parte da jornada sem se encontrar em meio aos seus.