Inovação interrompida
por Sarah LyraHá uma bem-vinda estranheza pairando em todo o Volume Morto. Não se sabe nada sobre os três personagens do elenco, por que agem de modo tão suspeito, ou que motivações os mantêm juntos em uma situação improvável. Enquanto assistimos ao filme, a sensação de que algo que mudará o rumo da trama e dos personagens está prestes a acontecer é constante, o que, unido ao trabalho de direção de Kauê Telloli, é responsável por deixar o espectador ansioso durante boa parte da projeção. Quanto mais imersivo o suspense, maior a necessidade de entregar um final digno do tempo dedicado pelo espectador. Um dos problemas deste longa está, justamente, em não conseguir manter a coesão até o último minuto.
Os problemas de Volume Morto estão, essencialmente, no roteiro. Muitas dúvidas são despertadas, mas poucas respondidas. Há uma diferença entre não oferecer todas as respostas ao espectador, a fim de instigá-lo a ter interpretações próprias, e simplesmente não saber para que rumo a história vai. Esta produção tende mais para a segunda opção. Afinal, de onde parte a obsessão de Thamara (Fernanda Vasconcellos) pelo garoto que está tão empenhada em ajudar, e como se deu seu envolvimento tão profundo com ele? Como Luiza (Júlia Rabello) lida com a figura claramente abusiva do marido? Quão problemática é a dinâmica familiar e como isso se manifesta no ambiente escolar?
Ao sugerir que tanto os pais quanto a professora são “maus educadores”, Volume Morto flerta com a ideia de questionar o despreparo das instituições e suas figuras centrais no que diz respeito à formação das crianças, um tema mais do que pertinente. No entanto, ao não se aprofundar nessas questões, o filme beira o irresponsável. Primeiro, porque coloca a necessidade de manter o suspense a qualquer custo em detrimento de um melhor desenvolvimento da trama, e segundo por sugerir que todo o aspecto abusivo retratado não passa de uma invenção da mente criativa de Gustavo. Mesmo que fosse, essa imaginação por si só já não diz algo sobre o garoto?
É também problemático que a figura de Roberto (Daniel Infantini) nunca sofra qualquer tipo de consequência por agredir fisicamente uma mulher, o que parece ser algo recorrente na trama. Isso, somado às cenas de luta corporal entre Roberto e Thamara embaladas por música pop, mostra que a violência é não só minimizada mas naturalizada pelo filme. Além disso, ao adotar um super slow motion nos momentos de embate físico, Telloli abre a possibilidade de a agressão ser vista como um fetiche.
Há algumas abordagens válidas no longa, como empregar o barulho das notificações das interações em um grupo de Whatsapp como trilha sonora. Os sons combinados aos planos detalhe evidenciam um caráter maduro no aspecto técnico da produção, algo destacado também pelo trabalho de fotografia e direção de arte, que juntos transformam a sala de aula em um ambiente gélido e claustrofóbico. Desafiador em sua premissa de que todo o filme seja uma conversa entre três pessoas dentro de um único local, Volume Morto e seus problemas de roteiro tornam difícil alçá-lo a uma posição de obra inovadora no cinema brasileiro, embora tenha seus méritos por tentar.
Filme visto no 52º Festival de Brasília, em novembro de 2019.