Nick, Nicky, Nicolas
por Rafael FelizardoDe tempos em tempos, a indústria cinematográfica cria personagens que acabam engolindo seus próprios intérpretes, marcando-os como atores de um papel só. Se Daniel Radcliffe será para sempre Harry Potter; Matt LeBlanc, Joey; e Macaulay Culkin, Kevin McCallister, talvez uma discussão sobre o que causa esse movimento e quais as suas consequências para os envolvidos seja necessária, principalmente, quando se tem a noção que Hollywood nem sempre é gentil com aqueles que ajudaram a estabelecê-la.
Levando em consideração que, como diz Newton, toda ação tem uma reação contrária, no cinema não poderia ser diferente. De forma mais simples, se existem papéis maiores que atores, da mesma forma, existem os atores que transcendem seus papéis. Ou seja, DiCaprio sempre será DiCaprio, e não Jack. O mesmo vale para Brad Pitt, Meryl Streep e… Nicolas Cage.
Nicolas Cage é Nicolas Cage
Desde que a internet se estabeleceu como a casa de uma geração nascida em meados dos anos 1990, Cage virou um fenômeno. Seja por suas expressões exageradas, por seus papéis icônicos ou até por suas entrevistas genuínas, o astro carrega consigo uma legião de fãs e um extenso currículo — este, nem sempre com produções dignas de seu nome, mas constantemente com um comprometimento que o tornou conhecido por aceitar qualquer trabalho que lhe oferecessem.
Em O Peso do Talento, Nicolas Cage é Nicolas Cage. Mais uma vez transcendendo seus personagens, desta vez, o ator interpreta a si mesmo nas grandes telas, em uma espécie de carta de amor para todos os seus admiradores. Na trama, falido e desanimado, ele aceita US$1 milhão para passar um tempo com um fã em uma mansão. Sem se levar a sério em momento algum, a comédia dirigida por Tom Gormican mistura realidade e ficção para flertar de maneira leve com alguns dos dramas vividos por Nick durante os anos, mostrando que mesmo alçado a um patamar acima dos meros mortais, a estrela também é humana.
A humanidade em O Peso do Talento
Apesar de ser uma comédia sem compromisso algum com tentar soar como qualquer outra coisa, O Peso do Talento acaba deixando vazar alguns detalhes que nos fazem questionar: estaria Cage pedindo ajuda ou é só mais uma forma de tirar sarro de si mesmo, como já fez anteriormente? Grande questão.
O fato de o filme procurar trabalhar o personagem principal da maneira mais realista possível acaba criando uma curiosa tensão que flui entre o que esperamos que Cage seja e, talvez, o que ele realmente é em sua vida. Aproveitando-se das metanarrativas, vemos o astro injetar na trama doses de angústias que parecem bem verdadeiras em diversos pontos, como, por exemplo, os problemas familiares do protagonista, principalmente, na relação com a filha. Por mais que fora das telas o ator não tenha dado à luz uma menina, é sabido que seus dois filhos frequentam os tabloides por conta de polêmicas de vez em quando.
Ainda do ponto de vista narrativo, um dos maiores acertos do longa se dá na relação de Nicolas com Javi, um personagem interpretado com louvor por Pedro Pascal. A energia bem-humorada imposta por Pascal casa perfeitamente com a humanidade de Cage no longa, criando uma relação que ajuda a dar o tom de besteirol esperado pelos espectadores e estabelecendo um coadjuvante que por vezes funciona como protagonista.
Saído recentemente de produções como A Bolha, The Mandalorian e Mulher-Maravilha 1984, Pedro tem ficado cada vez mais à vontade na prateleira dos blockbusters, aparecendo como uma excelente opção para o papel de braço direito neste longa-metragem.
Filme apresenta um festival de referências aos clássicos de Nicolas Cage
Desde que O Peso do Talento ganhou seu primeiro trailer, um dos pontos mais aguardados da obra eram as referências cinematográficas. Se os filmes da Marvel contam sempre com a esperada cena pós-créditos, uma homenagem à vida de Nicolas Cage não poderia deixar passar a oportunidade de explorar a abundante carreira do astro, certo?
Para quem não sabe, em 1990, Cage participou de um talk show britânico apresentado por Terry Wogan, na época, promovendo o filme Coração Selvagem (David Lynch). Durante o programa, com chutes, golpes de caratê e jogando dinheiro para o público, o ator impersonou uma espécie de “Nicky Rockstar”, levando a plateia ao delírio e entrando para a “Galeria de Momentos Nicolas Cage”. Mais de trinta anos depois, a persona do show voltou a dar as caras, desta vez, em O Peso do Talento, em que funciona muito bem como alívio cômico e espécie de alter ego mais jovem e autodestrutivo do ator.
Dentre os inúmeros easter eggs do filme — e tentando com dificuldade não entrar em spoilers —, o clímax da produção apresenta uma das principais referências contidas no longa, trazendo de volta aos holofotes um dos melhores filmes do currículo do ator: A Outra Face. Além disso, nos momentos finais, uma transição cirúrgica com a participação especial de Demi Moore leva a obra para o seu fechamento de maneira fantástica, evidenciando ainda mais a bem-feita direção de Tom Gormican.
O Peso do Talento é mais uma vitória para o currículo do ator
Quando ouvimos falar da “extensa carreira” de Nicolas Cage, não é por acaso. Para se ter ideia, nos últimos 10 anos, Nicolas participou de mais de 20 produções, muitas das vezes, lançando 3 títulos em um ano. Durante uma entrevista há algum tempo, ele chegou a assumir que aceitava seus inúmeros papéis por conta de dívidas contraídas, mas que este não era todo o motivo, adicionando que também precisava acreditar no potencial de entretenimento da produção para assim participar dela. E acreditar em O Peso do Talento definitivamente valeu a pena.
Para quem não lembra, Cage já foi um dos atores mais requisitados de Hollywood, chegando a ganhar o Oscar de Melhor Ator, em 1996, por Despedida em Las Vegas. Mesmo com tantos filmes duvidosos na carreira, se alguma vez ele duvidou de seu trabalho, não deixou transparecer, continuando com a filosofia de atuar de maneira incessante. Com tantas personas vividas, é curioso que nenhum nome de personagem em especial venha à mente quando citamos o seu, reforçando o que foi dito no primeiro parágrafo deste texto: Nicolas Cage precede seus trabalhos.