Com mais tempo para Zendaya, sequência supera filme de 2021 e aproveita talento dos protagonistas
por Aline PereiraAssim que minha sessão de Duna: Parte 2 terminou, foi quase instintiva a vontade de voltar ao livro original de Frank Herbert. As quase três horas de história correram tranquilamente (muito mais do que no primeiro filme) e eu queria mais. Queria continuar na companhia de Paul Atreides, Lady Jessica, Chani, Princesa Irulan e de uma longa lista de personagens que tornam a produção de Denis Villeneuve uma grande história de ficção científica e uma conquista memorável em termos de adaptação.
Quando veio o anúncio do filme de Duna de 2021, as reações foram de uma desconfiança – justificada pelas adaptações anteriores – de que esta seria uma história complexa demais para ser contada em outro formato que não o de sua obra literária. Não sabendo que era impossível, Villeneuve surpreendeu com uma produção que, acima de tudo, tinha essência e vida própria. Pois bem: o raio caiu duas vezes no mesmo lugar e, no retorno ao vasto universo de Herbert, o cineasta refinou ainda mais a experiência.
A história de Duna: Parte 2 é uma continuação direta dos acontecimentos do primeiro filme, nos revelando o que aconteceu com Paul Atreides (Timothée Chalamet) após a tragédia familiar. Com o assassinato de Duque Leto (Oscar Isaac), o jovem prometido e sua mãe, Lady Jessica (Rebecca Ferguson), se juntam aos Fremen. Enquanto busca compreender e aceitar seu papel como o líder que foi criado para ser, Paul busca justiça contra a conspiração que matou seu pai e aprofunda a relação com Chani (Zendaya).
Duna 2: Agora sim, dá para entender melhor a história
Ao mesmo tempo em que o amplo universo de Duna torna a obra uma das mais celebradas e influentes de todos os tempos, é difícil passar por ele sem alguma confusão: a complexidade das relações políticas, povos, natureza e tecnologias exigem atenção e compromisso de verdade. Piscou, perdeu. Embora o primeiro filme tenha feito um grande trabalho em reorganizar e resumir informações e alguns conceitos, faltou, para uma parte do público, uma ideia mais urgente sobre o “de onde vem” e “para onde vai” a história.
Nesse sentido, a segunda parte chega para firmar as regras daquele mundo e os porquês da trama que estamos acompanhando. Se a primeira foi uma grande introdução ao universo de Duna, a sequência de 2024 faz a roda girar com um ritmo muito mais dinâmico, reviravoltas mais impactantes e mais ação propriamente dita. O resultado é um filme que abraça seu público com mais vontade e que, enfim, nos traz irresistivelmente para dentro de seu universo.
O roteiro continua optando por deixar de lado alguns dos embates políticos de que os leitores de Duna podem sentir falta, mas a “simplificação” é bem-vinda se consegue alcançar o objetivo de oferecer um desafio satisfatório a quem assiste – o compromisso da atenção continua sendo fundamental, mas a aventura cativante e imersiva recompensa.
Personagens de Duna são o grande trunfo – e temos mais tempo com eles
Uma das principais marcas de Denis Villeneuve como diretor é a habilidade de equilibrar o todo e suas partes. Algumas das principais obras assinadas por ele trazem um universo ostensivo que é parte fundamental da história – os mundos de Blade Runner 2049 e A Chegada, por exemplo, precisam ter espaço e tempo para serem explorados para que as tramas façam sentido. Mas o cineasta não se esquece de que o ponto principal são as histórias humanas e de que a grandeza precisa vir acompanhada de boas “pequenas” histórias.
Em Duna, são diversos os momentos em que a câmera se abre para o mundo gigantesco e, depois, se fecha microscopicamente. Há os enormes vermes, naves e campos de batalha, mas há também, por exemplo, imagens do tipo de comida que o Fremen estão comendo e que diz muito sobre quem são aquelas pessoas. Com os personagens, também funciona assim.
O longa deixa claro que Paul Atreides está diante de uma ameaça e de decisões de enorme escala, mas também procura nos aproximar de seu íntimo. O mesmo acontece com Lady Jessica, cujo papel na sequência dá uma profundidade e importância surpreendente ao poder que ela tem, com Stilgar (Javier Bardem) e sua função na jornada messiânica de Paul e, por fim, com Chani. Chegou a vez do lugar da personagem ficar mais claro: embora a existência dela na trama ainda seja muito dependente de Paul, agora, sim, conseguimos nos conectar aos vários desafios que ela precisa encarar.
Aqui, vale destacar, é claro, um elenco que combina o fator talento ao fator popularidade - uma questão que parece ter sido levada em consideração com grande peso. Se Timothée Chalamet e Zendaya são nomes capazes de levar multidões de jovens fãs aos cinemas, os recém-chegados Florence Pugh e Austin Butler são, sem dúvidas, grandes adições nesse sentido. Carismáticos, charmosos e já com suas indicações ao Oscar no currículo, a nova dupla ganha boas oportunidades em Duna.
No papel de Princesa Irulan, Florence deve ser uma peça-chave para o que vem após a segunda parte já que, em Duna 2, a personagem é desenvolvida em doses homeopáticas. Importante na obra literária original, Irulan aparece no filme em um mundo oposto à realidade que Paul está vivendo com os Fremen e o aspecto sisudo da atriz se encaixa perfeitamente à personalidade enigmática da personagem – que brilha ainda mais na companhia do excepcional Christopher Walken como o Imperador Shaddam.
Enquanto isso, os obscuros Harkonnen recebem uma boa adição com Austin Butler, que é um personagem mais complicado. Ao mesmo tempo em que o visual do Feyd Rautha parece um pouco caricato demais, diferente do tom geral do filme, a estética é eficiente para comunicar a vilania que ficou mais escondida no roteiro – fica claro que o personagem é muito, muito mau, mas pouco vemos de fato. É um dos casos em que você precisa acreditar no que ele e os outros estão dizendo, mas talvez não veja tanto assim, com seus próprios olhos, do que ele é capaz.
Com a função de representar uma crueldade que está mais no campo das ideias, Austin Butler se reafirma, após Elvis (2022), como um artista com grande sensibilidade dramática. O antagonismo brutal que ele apresenta à presença mais suave de Paul Atreides é parte fundamental da expectativa para o confronto entre eles e é importante para nos ajudar a entender quem é nosso protagonista: Paul e Feyd compartilham características em comum e as diferenças entre eles levantam um embate do “bem x mal” com mais nuances e engenhosidade.
“Duna é um aviso”
Em entrevista ao AdoroCinema, o diretor Denis Villeneuve relembrou um dos principais legados de Frank Herbert e sua obra: “Duna não é uma celebração, é um aviso”, disse o diretor. Uma sensação clara e inegável que vale também para os filmes – mais ainda neste segundo. Perto de completar 60 anos desde a publicação original, Duna parece cada vez mais atual em diversos aspectos, do alerta sobre a relação predatória que a humanidade tem com o meio ambiente aos caminhos políticos perigosos.
No filme de 2021, vimos Paul Atreides crescer não como um “escolhido divino”, mas como uma pessoa projetada minuciosa e incansavelmente para se tornar uma liderança inquestionável, servindo aos interesses de outras pessoas. No segundo longa, quando o protagonista é colocado à prova, os desdobramentos desta missão são para fazer pensar (e temer) em quem escolhemos acreditar, como isso nos divide o quais são, de fato, os verdadeiros interesses.
De forma geral, é como Duna: Parte 2 aumentasse um ponto em todas as qualidades do filme anterior. O visual e o som são ainda mais imersivos, Timothée Chalamet é um protagonista ainda mais conectado com os dilemas de seu personagem e o mundo apresentado é ainda mais visceral. O filme de 2021 fez grandes promessas que – em um respiro aliviado aqui – foram muito bem cumpridas.