Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Amigos Imaginários

Com Ryan Reynolds e John Krasinski, Amigos Imaginários mescla emoção e melancolia ao trazer essência da Pixar ao live-action

por Diego Souza Carlos

As possibilidades propostas pela imaginação humana são múltiplas e a cada novo dia, as pessoas se surpreendem com o quão longe é possível seguir com uma boa ideia. Além da ideia de criar pela arte, existe uma motivação impulsionada por algo muito mais simples e primitivo: a necessidade. Ao investigar um recurso que ronda a infância de um número incontável de pessoas, Amigos Imaginários se aventura por um caminho tomado pela doçura, mas que não abre mão da melancolia para se aprofundar e evocar emoções.

Sob direção de John Krasinski, astro de The Office que teve uma breve e bem-sucedida jornada atrás das câmeras, o longa oferece uma mistura entre animação e live-action com Cailey Fleming e Ryan Reynolds. A trama acompanha Bea, uma garota que passa por uma experiência traumática e, enquanto lida com as mudanças de sua vida, passa a enxergar os amigos imaginários de todas as pessoas.

Em sua nova jornada, ela passa a apoiar a pessoa responsável por reconectar as criaturas com suas crianças que por vezes já se tornaram adultos e, com o tempo, esqueceram de seus inusitados parceiros e parceiras.

Versatilidade de John Krasinski

À primeira vista, Amigos Imaginários é muito do que o público pode prever ao ter contato com algumas prévias da narrativa: uma história com elementos de fantasia e aventura que claramente se inspira em projetos da Disney e, principalmente, nas tramas bem elaboradas da Pixar. Isso, de maneira alguma, é um demérito. Afinal, não se trata de uma cópia, mas uma ideia original que se sustenta em estruturas vistas majoritariamente no campo das animações.

John Krasinski aproveita a oportunidade de ter uma "carta branca" na Paramount Pictures para demonstrar o quão versátil é como diretor. Depois de criar uma das franquias mais importantes do estúdio, Um Lugar Silencioso, já munida de prelúdio e sequências, o cineasta decidiu dedicar suas habilidades a outros gêneros.

É curioso ver como, ainda que seja um filme para a família, existem alguns pequenos e breves traços dos trejeitos do cineasta, vistos nos filmes de alienígenas, durante a história. Existem alguns pequenos trechos do projeto que brincam com o público através de um singelo suspense e há até espaço para um ou outro jumpscare com determinado amigo imaginário que provavelmente a audiência vai amar.

“Não sou mais criança”

Amigos Imaginários se destaca ao reforçar ao público que crescer é um processo natural da vida, e que existem acontecimentos difíceis responsáveis por fazer pessoas abandonarem sua infância ou juventude por uma necessidade, por um acontecimento que muda tudo, pela dor, pela insegurança e, principalmente, pelo medo. Ao mostrar Bea enxergando criaturas moldadas pelos sonhos e receios de outras pessoas, o diretor ainda abre o leque de possibilidades de identificação do telespectador com o que é visto na tela.

Ainda que soe clichê fazer esse tipo de investigação no cinema, unindo o lúdico a elementos da psique, o diretor zela pela ideia de que não é preciso abandonar a sua criança, os seus amigos imaginários ou seus sonhos mais insanos da infância para crescer. Esse ponto, inclusive, é fonte de momentos ternos entre os personagens, mas também é repleto de trechos repetidamente expositivos (ainda que, eventualmente, bonitos).

Enquanto tenta reconectar as pessoas aos amigos imaginários, Bea também passa a remexer na história de sua própria infância - à qual ela renega -, e de sua própria família. Nesse processo, surgem exemplos diversos de pessoas que deixaram suas criaturas para trás e hoje seguem a vida com pequenos vazios. Isso pode corresponder a muitas analogias, mas há um subtexto do luto que se entrelaça à narrativa.

Perto de soar melancólico demais, o realizador tenta equilibrar momentos sombrios com um otimismo relutante de um dos personagens. Além disso, as criaturas feitas com ótimos efeitos especiais dão leveza ao longa e, dentre os seres mais bizarros ou inusitados, há muito humor nas passagens.

Ótimas (muitas) ideias

Embora seja bem executado, Amigos Imaginários também sofre com alguns excessos. Existem ótimas ideias em tela, muitas delas posicionadas para que haja um desenvolvimento pleno durante a trajetória da protagonista, mas perde-se muito tempo em criar uma ambientação deste universo fantástico - com ótimas sequências, diga-se de passagem -, que dificultam o "andar da carruagem".

Ao chegar na metade do filme, o ritmo se perde justamente por uma suposta falta de escolha do roteiro em qual será o caminho tomado pela narrativa. Existem, inclusive, desfechos que poderiam estar dentro da trama principal que aparecem apenas no encerramento. Alguns detalhes sobre o funcionamento desse universo ficam no ar, com algumas respostas dadas apenas em momentos avançados do filme.

Mesmo com algumas inconsistências, a trajetória consegue amolecer o coração do público, a ponto de deixar cada traço destoante enevoado perante às emoções que podem emergir durante as quase duas horas do longa. É aquele tipo de história que consegue fazer com que o barulho das engrenagens desapareça gradualmente, mesmo que alguém perceba vez ou outra que elas estão ali.

Pixar em live-action

Em seu trabalho com uma nova audiência, John Krasinski parece ter os pés no chão em meio a um mundo que gradualmente se apoia na fábula para tocar em temas reais e delicados. Sua conexão com obras como Divertida Mente, Up - Altas Aventuras e até Toy Story demonstra a vontade de Krasinski em criar alegorias para um tipo específico do coming of age, no processo de amadurecimento de uma criança perante a inevitáveis e imprevisíveis mudanças da vida.

Corajoso ao trazer esse mundo lúdico à dureza do live-action, Amigos Imaginários vai um pouco além nesse quesito ao abraçar a melancolia que coloca algumas nuvens no que poderia ser apenas uma composição completamente solar. Essa decisão dá substância à trama, que poderia apresentar superficialmente as dificuldades dos personagens ou até mesmo evitá-las.

Envolvente para crianças, adolescentes e adultos ao abordar assuntos universais, a primeira incursão do cineasta a um gênero mais amplo é cheio de bons momentos. Nem todo mundo teve um amigo imaginário na infância, mas provavelmente muitos poderão se lembrar, através dessa história, de suas crianças interiores.