Giallo espalhafatoso de James Wan
por Kalel AdolfoJames Wan, sem sombra de dúvidas, é um dos cineastas de terror mais importantes de nossa geração. Responsável por iniciar franquias grandiosas como Jogos Mortais e Invocação do Mal, o diretor está sempre entregando altas doses de inventividade em seus projetos. Até mesmo os maiores clichês do gênero são reinventados e executados com perfeição em sua filmografia. E em Maligno, Wan mira em novos territórios, ao mesmo tempo em que mantém suas características cinematográficas mais famosas.
Homenageando subgêneros como o slasher e principalmente o Giallo, o projeto possui as digitais de Dario Argento (Suspiria) por toda a parte. É extravagante, absurdo, ridículo, sangrento e imprevisível. E por mais que a produção não acerte em todas as notas, a jornada está repleta de sequências de tirar o fôlego.
Trama resgata a magia de um subgênero abandonado
A trama do longa é digna de clássicos como Phenomena e Prelúdio Para Matar: Madison (Annabelle Wallis) é uma mulher que tem constantes pesadelos em que desconhecidos são assassinados de forma brutal. Eventualmente, ela descobre que esses crimes estão acontecendo na vida real.
Toda a investigação faz com que ela descubra Gabriel, uma entidade maléfica de seu passado que está causando todas as mortes. E a partir daí, o roteiro entrega as viradas mais ousadas — e arriscadas — que você verá na carreira do diretor.
É renovador presenciar uma proposta como essa. Até porque, com a ascensão evidente do pós-terror, a sensação predominante é que há cada vez menos espaço para a excentricidade despretensiosa no cinema.
Por mais que esteja longe de ser perfeito, Maligno busca reviver uma era de “Filmes B” que, por muitos anos, esteve distante das telonas.
Da sobriedade de Invocação do Mal para a extravagância de Maligno
A sequência de abertura de Maligno denuncia a experiência “campy” que está por vir: ambientada em um hospital psiquiátrico digno de parque de diversões — com relâmpagos ilustrando o plano de fundo e uma neblina interminável — nós vemos uma equipe médica precisando lidar com um paciente que está fora do controle. Ele é capaz de controlar a eletricidade e transmitir mensagens através de rádios e televisões. E claro, não demora muito para que esse ser misterioso comece uma enorme matança nas instalações.
Após ser neutralizado, uma das médicas decide eliminar o paciente com as seguintes palavras: “Está na hora de extirpar o câncer”. Toda a interpretação é propositalmente cafona, e define o tom satírico que irá ressurgir em inúmeros momentos da obra.
Para o público que está acostumado a ver James Wan comandando obras sóbrias como Invocação do Mal, Gritos Mortais e Sobrenatural, a produção pode ser um grande choque. Isso porque grande parte da experiência passa longe de ser homogênea. Verdade seja dita, o filme é um grande liquidificador de influências: há elementos slasher, referências ao Giallo de Dario Argento, flertes com o cinema trash e até acenos para alguns clássicos sci-fi oitentistas.
Tantos elementos diversificados são dignos de um fã do horror. Mas claro, a poluição narrativa em Maligno é evidente, beirando a confusão. Não há um elemento central que reúna toda a atmosfera da história. Portanto, apesar de divertido, o ritmo de Maligno acaba soando bastante descompassado. É quase como um emaranhado de ideias que consegue entreter, mas não aparenta estar completamente desenvolvido.
Tom cômico poderia ser melhor aproveitado
Por mais que o humor esteja evidente em diversas sequências do longa, James Wan erra ao tentar transmitir seriedade em grande parte do primeiro ato. É necessário mergulhar no sarcasmo para fazer uma história como a de Maligno funcionar. Porém, a sensação predominante é que Wan não se libertou completamente da sobriedade de seus últimos projetos. A construção sofisticada e polida não se encaixa nesta nova proposta.
Todavia, o projeto realmente acerta as notas certas após a virada estupidamente divertida do segundo ato. É necessário muita coragem para entregar algo tão absurdo para as plateias contemporâneas que estão desacostumadas com esse estilo de terror. James definitivamente não poupa esforços para surpreender com a fase Giallo de sua carreira, proporcionando litros de sangue e cenas de ação brilhantemente coreografadas, engenhosas e espalhafatosas.
Personagens não possuem o magnetismo necessário para elevar a história
Um erro comum em produções como Malignant é o aparente descaso com o desenvolvimento de personagens. Por mais que exista uma investigação acerca do passado da protagonista, o elenco não ganha espaço para cativar o espectador. Todos estão muito sufocados com as insanidades presentes no roteiro, e os visuais atraentes do longa acabam roubando os holofotes.
Com isso, o potencial emocional da trama acaba sendo reduzido, já que o distanciamento e a falta de empatia com os atores diminui o impacto dos acontecimentos mais cruciais.
Visuais mantém o padrão de qualidade do diretor
Um troféu é utilizado como a principal arma do assassino em Maligno. Isso é o quão singular o projeto consegue ser. Um bom slasher sempre apresenta um vilão visualmente marcante, com métodos de assassinato inesquecíveis e uma trilha sonora grudenta. E James Wan entrega exatamente isso.
O score afogado em sintetizadores de James Wan nos teletransporta para a era de ouro do terror oitentista, e eleva a estética eletrizante do longa. Vale lembrar que a trilha foi criada por Joseph Bishara, parceiro de longa data de Wan, que também é o responsável pelas composições fúnebres de Invocação do Mal.
O pequeno Giallo de James Wan funciona?
Ambientações fantasmagóricas, mortes criativas e uma trilha sonora que resgata o espírito de Goblin, responsável pelo score icônico de Suspiria. Tudo está aqui. Caso esteja familiarizado com o subgênero italiano, há muito para se divertir em Maligno. Contudo, a falta de ousadia no primeiro ato, acoplado a um excesso de seriedade, faz com que o longa adquira uma áurea incoerente e inacabada. Mesmo assim, a obra é a mais insana na carreira de James Wan, e deve agradar aqueles que buscam um terror que sabe rir de si mesmo.