Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Babilônia

Cinema em seus excessos, para o bem e para o mal

por Bruno Botelho

O diretor Damien Chazelle tem um olhar bastante único e apaixonante sobre arte, especialmente música e cinema, o que fica evidenciado nos aclamados Whiplash - Em Busca da Perfeição (2014) e La La Land - Cantando Estações (2016). Enquanto ele partiu para seu filme mais íntimo em O Primeiro Homem (2018), é curioso que seu próximo filme seja Babilônia (2023), um contraste enorme da produção anterior e, na verdade, um retrato caótico sobre os excessos de artistas e cineastas nos primórdios de Hollywood.

Babilônia é situado no final da década de 1920, quando Hollywood passa por um período de grande mudança, com a transição do cinema mudo para os filmes falados. Desta forma, acompanhamos a ascensão e queda de vários personagens durante uma era de decadência desenfreada e depravação. Entre eles, temos uma grande estrela da indústria, cheia de sucessos de bilheteria, Nellie LaRoy (Margot Robbie), que ascende em sua carreira, migrando com sucesso de um modelo cinematográfico para o outro.

Babilônia é um retrato de excessos sobre os primórdios de Hollywood

Damien Chazelle sempre demonstrou paixão e conhecimento pela história do cinema, como acontece no musical La La Land – que lhe rendeu o Oscar de Melhor Diretor, o vencedor mais novo da história na categoria. Em Babilônia, o roteirista e diretor da produção está menos interessado em um olhar romantizado e mais em contar uma história crua sobre as mudanças na sociedade que impactaram os primórdios da indústria de Hollywood, onde muitos artistas não conseguiram sobreviver à transição do cinema mudo para o falado. Ele é, ao mesmo tempo, sobre a magia do (fazer) cinema, mas também uma crítica pertinente à indústria.

Esse olhar em Babilônia é, obviamente, repleto de excessos e selvagem, levando em conta que se trata de um período onde não se existia um controle artístico do cinema da forma que se tornaria uma indústria extremamente lucrativa como eventualmente aconteceu com Hollywood – e como conhecemos hoje. Para fora de todo o glamour dos tapetes vermelhos de premiações, Chazelle nos leva em uma viagem caótica, escandalosa e hedonista, onde temos uma abundância de festas, drogas e sexo entre as estrelas que remete bastante à loucura desenfreada proposta por Martin Scorsese em O Lobo de Wall Street (2013).

Quando se concentra na jornada artística de seus principais personagens, Babilônia acerta em muitos pontos, mostrando diferentes perspectivas. Entre eles, estão a aspirante a atriz Nellie LaRoy (Margot Robbie), o mexicano-americano Manny Torres (Diego Calva) que deseja entrar para a indústria cinematográfica e também a estrela do cinema mudo Jack Conrad (Brad Pitt). Com eles, o espectador consegue observar dois lados de mesma moeda, a busca e persistência pela arte, assim como também a destruição de sonhos numa indústria em transição, repleta de tragédias, egos e competitividade.

Damien Chazelle tem enorme domínio da direção em seus filmes, mas parece que ele perde o controle em diversos momentos de Babilônia por conta dos próprios excessos que apresenta na narrativa, ficando complicado de conter o caos instaurado. Portanto, o maior destaque fica para os momentos que a trama analisa mais intimamente os personagens envolvidos nesta indústria, com desenvolvimento de suas histórias.

O passeio de Damien Chazelle pelo cinema é deslumbrante, mas cansativo

Babilônia é o filme mais ambicioso da carreira de Damien Chazelle até o momento e ele realmente entrega uma experiência deslumbrante e caótica, que era sua proposta inicial, mas precisa lutar a todo instante com os próprios excessos apresentados na produção que, com pouco mais de três horas de duração, se torna um tanto quanto cansativa e sem uma consistência narrativa ao longo de todos os acontecimentos.

Esse é um filme que mescla tanto elementos de comédia quanto de drama, mas o Chazelle não acerta totalmente no tom cômico proposto, especialmente em cenas desnecessárias por um puro apelo estético ou para chocar o público, que tornam a produção às vezes mais como uma caricatura exagerada de Hollywood. Obviamente, o momento que mais chama atenção (destacado até mesmo nos materiais de divulgação) é a cena inicial de Babilônia, que se trata de uma festa para nomes do cinema, regrada à sexo e drogas. O diretor estabelece esse momento quase como um trabalho circense, onde direção, trilha sonora, edição e atuações estão em perfeita sincronia para mostrar toda a selvageria proposta pela história.

No quesito de interpretações dos protagonistas, Margot Robbie e Brad Pitt estão perfetos em seus papéis como estrelas lutando para sobreviver na indústria, especialmente a atriz, que rouba a cena com sua imponência e magnetismo em todas as cenas, encarnando sua personagem. Em seu primeiro grande longa-metragem, Diego Calva é uma ótima surpresa da produção – principalmente por sua trajetória ser a que melhor conversa com o público, nesse olhar mais verdadeiro sobre a busca pelos sonhos e persistência artística. Ele parece o personagem mais próximo e verdadeiro aos que temos em outras produções de Chazelle, enquanto os demais servem mais como caricaturas de estrelas de cinema. Sydney Palmer (Jovan Adepo), trompetista de jazz afro-americano, e Lady Fay Zhu (Li Jun Li), cantora de cabaré lésbica sino-americana, são dois personagens interessantes e que trazem discussões importantes para a trama como racismo e homofobia, mas infelizmente não são bem aproveitados pela trama, deixando esses temas um pouco de lado na temática geral, comentando por cima esses problemas na indústria.

Justin Hurwitz, colaborador de longa data do cineasta e vencedor de dois Oscars por La La Land, apresenta novamente um trabalho notável na trilha sonora grandiosa do filme, sendo a força motriz pulsante e frenética por trás desse passeio selvagem, mesclando diferentes ritmos, instrumentos e melodias conforme a necessidade. O trabalho técnico no geral é extremamente competente, desde toda a direção de arte recriando maquiagem e figurinos, até a cinematografia deslumbrante assinada por Linus Sandgren.

No final das contas, Babilônia é um espetáculo frenético de Damien Chazelle sobre os primórdios de Hollywood, com algumas das cenas mais impressionantes de sua carreira – mas que, em muitos momentos, acaba se perdendo em seus próprios excessos e se tornando uma experiência cansativa para o público. Por incrível que pareça, a produção se destaca quando alivia suas próprias pretenções megalomaníacas e mostra ao público seu olhar interessante sobre a indústria cinematográfica e, principalmente, os personagens que fazem parte dele em uma jornada de esperança e desilusão dos sonhos.