Dirigismo travestido
por Francisco RussoSe é difícil produzir uma animação para as massas em meio a uma seara tão competitiva (e de excelência) como a promovida por Hollywood, é necessário que os demais países busquem particularidades que os diferenciem. É o caso deste Missão H2O, a primeira animação venezuelana, que faz da origem seu principal carro-chefe. Pro bem e pro mal.
Por mais que seja situado no fictício país de Buenaventura, a bandeira estampada nos macacões da criançada não deixa dúvidas de que se trata de uma metáfora referente ao próprio país sul-americano. A presença de uma protagonista negra de trancinhas coloridas dá cores locais à história rocambolesca, que confunde já em seus minutos iniciais ao trazer um quarteto em viagens no tempo a bordo de uma nave transmorfa, acompanhado de um senhor que supostamente criou a tal engenhoca - tudo ao som de uma canção animada, como reza a cartilha dos filmes infantis. Como, por que e quem são eles são perguntas inúteis: o filme pouco se importa em dar tais informações. Basta saber que existem e que assim acontece, nada além disto.
Sem qualquer interesse em desenvolver seus personagens, logo Missão H2O revela sua faceta panfletária ao desvendar seu fiapo de história. A poderosa World Corporation acerta com o governante de Buenaventura para ter controle de toda a água do país e, tão logo o contrato é assinado, transfere todo o precioso líquido para um lugar misterioso, chamado Antares. Revoltada, a população se rebela ao ponto de quatro crianças embarcarem na tal máquina do tempo em busca de alguma solução.
Faz algum sentido? Não importa! O objetivo maior é escancarar a maldade existente na multinacional, que visa apenas o lucro em detrimento da necessidade da população local, enquanto seus funcionários - e apenas eles - falam inglês. Se o ocorrido por si só já é uma menção ao conflito ocorrido na Bolívia no início dos anos 2000, onde a água foi privatizada e reestatizada devido a uma revolta popular, a escancarada (e simplista) alusão aos americanos como vilões da história combina também com o antagonismo do governo venezuelano perante os Estados Unidos. Simples assim.
O dirigismo político ganha nuances ainda mais fortes no decorrer das viagens no tempo, com frases esparsas criticando a sociedade de consumo e o próprio capitalismo, mescladas à luta contra o desperdício de bens naturais. Tudo em meio a uma correria incessante, na qual tiros e explosões servem de cortina de fumaça para esconder as inúmeras falhas de roteiro. Curiosamente, Missão H2O se apropria de táticas típicas do cinema de ação hollywoodiano para esconder suas próprias deficiências, o que soa ainda mais irônico por ser este um filme tão crítico à postura americana.
De positivo, Missão H2O traz apenas as breves citações à cultura local, quase sempre personificadas em Sara. De resto, trata-se de uma animação bastante bagunçada que também não se destaca pelo aspecto técnico, devido às escancaradas limitações. No fim das contas, seu objetivo maior é mesmo transmitir aos menores mensagens do governo atual, sem qualquer pudor ou mesmo tentativa de um melhor embasamento.
Filme visto no Anima Mundi, em julho de 2019.