Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
A Voz Suprema do Blues

Um bom filme com grandes atuações

por Barbara Demerov

A Voz Suprema do Blues, filme póstumo estrelado por Chadwick Boseman (Pantera Negra), é aquele tipo de produção que possui uma história com menos brilho quando comparada às atuações de seu elenco. A comovente performance de Boseman é o que traz vida à trama - que ainda conta com outra grande atriz ao seu lado: a vencedora do Oscar Viola Davis. São dois atores que tomam os holofotes individualmente, já que dividem pouco a tela.

Dirigido por George C. Wolfe, que realizou diversos trabalhos na Broadway e já venceu um Tony, A Voz Suprema do Blues entrega uma ambientação enérgica e ao mesmo tempo acolhedora. Em meio aos anos 20, regado pelo som do blues e com o racismo disfarçado de boas intenções, o longa se passa no espaço de uma tarde de calor em Chicago, durante a gravação de um álbum da cantora Ma Rainey (Davis, praticamente irreconhecível no papel). A personalidade forte da artista pode ser percebida desde os primeiros momentos do filme, quando se apresenta no palco ao lado de sua banda.

Mesmo sendo história baseada em figuras reais - especialmente Ma Rainey -, A Voz Suprema do Blues não tem caráter absolutamente biográfico. Afinal, o roteiro se aproveita de um pequeno recorte temporal e de Rainey em si para, então, chegar ao seu cerne: discutir o racismo emaranhado no meio artístico. As discussões, contudo, acontecem apenas entre os personagens negros e são todas encabeçadas pelo personagem de Boseman, Levee. Sonhador e de personalidade forte, o trompetista é apaixonado por música e mergulha fundo em seu sonho de se tornar mais reconhecido.

Este desejo profissional é justamente o que mais movimenta as discussões, sempre calorosas dentro da pequena sala de ensaios. E, pouco antes de começarem a gravação do álbum de Rainey, até mesmo o modo como Levee é respeitoso com o chefe (branco) do estúdio é motivo para a banda questionar o papel do jovem músico para a comunidade negra. São cenas como essas, muito bem dirigidas e que aproveitam bem o espaço utilizado, que enfatizam o poder do roteiro de A Voz Suprema do Blues.

Drama tem traços de teatro e possui monólogos poderosos de Chadwick Boseman

Apesar de ser um filme de época nos aspectos visuais e técnicos, a obra - baseada em uma peça - ganha traços teatrais muito fortes graças aos diálogos e à atenção dada às emoções. E quantas emoções. Boseman entrega dois monólogos tão potentes e dramáticos que seu personagem cresce a ponto de se equiparar (ou até mesmo superar) a presença de Davis no papel principal. Quando lembramos do estágio de seu câncer à epoca das filmagens deste filme, as palavras que fala com tanto vigor ganham múltiplas interpretações.

O texto de A Voz Suprema do Blues apresenta bem os dois personagens de mais destaque, Levee e Rainey. No entanto, o restante do elenco apenas orbita dentro daquele espaço de gravação em prol da ação destinada particularmente à dupla. O movimento de ação e reação após grandes momentos e discursos impacta, sobretudo no terceiro ano, mas o filme como um todo soa inconclusivo, incompleto mesmo diante de palavras tão absolutas.

Por ter como foco questões micro, detalhadas dentro de problemas enraizados na sociedade, o macro (a casca da história) acaba perdendo um pouco de sua força. Chadwick Boseman é a alma deste filme e até mesmo Viola Davis - que deve garantir uma indicação ao Oscar ao lado do ator - se torna, em partes, uma coadjuvante. Aqui são as palavras que ditam as ações, não o contrário. E é justamente por isso que A Voz Suprema do Blues ganha mais destaque por suas particularidades, mas não tanto pela trama em si.