Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Eu Sinto Muito

Ainda estou viva

por Francisco Russo

De imediato, Eu Sinto Muito erra pela escolha equivocada de seu título. Além de jamais ser enunciado no decorrer de todo o longa-metragem, o pedido de desculpas traz um clima de lamentação que não combina com a proposta em si. Afinal de contas, mais do que mergulhar no coitadismo o diretor Cristiano Vieira deseja esmiuçar as variadas facetas existentes no transtorno de personalidade borderline para, acima de tudo, compreender como é a vida de quem precisa lidar com tal situação, dia após dia.

Para tanto, Vieira elabora um filme coral com pequenos núcleos independentes, cada qual refletindo um perfil. O primeiro a ser apresentado é Isabelle (Juliana Schalch, em atuação vibrante), jovem mulher de 29 anos que vê o relacionamento com o namorado ruir devido ao ciúmes, desenterrando o até então controlado desejo autodestrutivo. Para combatê-lo, mergulha fundo no universo das festas e bebidas, em busca de algum analgésico para seu lado sombrio. O mesmo não acontece com Cláudio (Wellington Abreu, soturno), bem mais entregue à solidão e à aura em torno da morte, devido à falta de auto-estima.

Personagens como estes pipocam aqui e ali em Eu Sinto Muito, sem no entanto escancarar de imediato o objetivo do diretor. É apenas ao término do primeiro ato que surge o personagem-chave desta narrativa, Júlio (Rocco Pitanga, de um carisma e desenvoltura cativantes), capaz de unir as muitas pontas soltas estabelecidas até então. É quando, enfim, o espectador é apresentado ao transtorno de personalidade borderline devido à intenção do personagem em produzir um documentário sobre o tema, com todos ao seu redor servindo ora como cobaia ora como objeto de estudo. Simples assim.

É interessante notar como a revelação da existência de um filme dentro do filme modifica a narrativa. Antes disto, Eu Sinto Muito caminhava para um drama intimista sobre problemas no convívio social, depois pouco a pouco se transforma em um estudo de caso onde os personagens abrem mão de sua individualidade em nome de um "bem maior", o tal documentário. Com isso, depoimentos à câmera se tornam mais frequentes ao mesmo tempo em que seus dramas pessoais são escanteados em nome de uma análise dos mesmos como pacientes, pelo lado comportamental. O filme, de uma forma geral, se apequena no que poderia ser em nome de uma suposta função social, em relação a quem o assiste, no sentido de apresentar o próprio transtorno - o que até faz de forma correta e respeitosa, mas sem brilho.

Irregular como quase todo filme coral, Eu Sinto Muito apresenta núcleos mais ou menos interessantes muito devido à capacidade de seus intérpretes, especialmente Juliana Schalch e Rocco Pitanga. No mais, trata-se de um filme refém de sua proposta social, o que não só engessa bastante sua estrutura narrativa como também entrega um punhado de diálogos bruscos, especialmente nos momentos de desentendimento entre seus personagens.