Potencial desperdiçado
por Kalel AdolfoApós interpretar a arrepiante Amy em Garota Exemplar, Rosamund Pike volta a abraçar um papel maléfico em Eu Me Importo, nova produção da Netflix dirigida por J Blakeson (A Quinta Onda). Aqui, a atriz interpreta Marla Grayson, renomada guardiã legal que obriga idosos a entrar para um sistema de curadoria. Enganando a justiça, a golpista acaba aprisionando suas vítimas em asilos e instituições psiquiátricas enquanto é bancada pelo Estado.
É quase redundante afirmar que Rosamund nasceu para viver grandes vilãs no cinema. Os seus esforços no longa são mais que satisfatórios, e a estrela consegue entregar uma performance ácida, cínica e estranhamente carismática. Como consequência, Pike conquistou uma indicação no Globo de Ouro deste ano, na categoria de Melhor Atriz em Comédia ou Musical.
Outros nomes como Peter Dinklage — o Tyrion Lannister de Game of Thrones — e a vencedora do Oscar Dianne Wiest (Hannah e suas Irmãs) também possuem seus momentos de destaque, contribuindo positivamente para a áurea hilariante e obscura da narrativa.
Contudo, as imperfeições de Eu Me Importo começam a aparecer logo após o primeiro ato do filme. Sim, o projeto tem um início forte, que prende o espectador através de um ritmo cativante e um direcionamento competente, que nos faz criar conexões emocionais com os personagens rapidamente.
Porém, o desenrolar da trama apresenta o oposto dessas qualidades. A cada minuto, a obra de J Blakeson tenta elevar o nível das insanidades apresentadas. Não demora para que um desenvolvimento autêntico se transforme em um festival de bizarrices implausíveis, que vai afastando o público da proposta.
Com uma história tão absurda — que envolve o aprisionamento e roubo de idosos através de um sistema de curadoria bancado pelo Estado — não é necessário ir tão além para chocar o público. Às vezes, os caminhos mais simplistas acabam sendo mais efetivos.
As inúmeras tentativas de assassinato sofridas por Marla Grayson — assim como a sua força sobre-humana para escapar dos perigos mais complexos — soam extremamente forçadas. Sem grandes explicações, a guardiã legal se transforma em uma guerreira implacável, capaz de eliminar todos os seus inimigos.
O desfecho abrupto — e saturado por inúmeros plot-twists — enterra o verdadeiro potencial de Eu Me Importo, que poderia figurar facilmente entre os melhores lançamentos do ano (até agora).
Mesmo assim, ainda é divertido acompanhar as disputas de poder entre Grayson e Lunyov, que não desistem de seus objetivos até diante das situações mais extremas. É um verdadeiro jogo de gato e rato que perdura por quase todo o terceiro ato. Sendo assim, o diretor opta por acobertar alguns buracos narrativos com altas doses de adrenalina. Na maioria das vezes, isso dá certo.
A fotografia colorida também complementa o charme indiscutível do filme, que por fim, acaba sendo uma experiência irônica, falha e descompromissada. Para o público menos exigente, a nova aposta do serviço de streaming pode agradar.