Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Summer of Changsha

As dores de todo o mundo

por Bruno Carmelo

O protagonista deste filme, o investigador A Bin (interpretado pelo diretor Zu Feng), é apresentado ao espectador de modo bastante eficaz. Ele se encontra dentro de um restaurante, cercado por colegas que bebem, contam piada e riem. A Bin, no entanto, ostenta um semblante sério, o olhar distante, como se não pertencesse àquele meio. A iluminação diferente sobre ele contribui a separá-lo dos demais. “Você não foi feito para ser policial”, analisa mais tarde um colega, em tom fraterno. Do mesmo modo que ele ocupa o lugar errado na sociedade, a principal suspeita do caso investigado por ele, Li Xue (Lu Huang) também se mostra apática dentro do hospital onde trabalha.

O roteiro constrói, portanto, as narrativas paralelas de dois desajustados cujos caminhos obviamente se cruzarão, tanto no aspecto policial quanto na esfera romântica. Por mais desgastada que soe a premissa, ela ao menos fornece uma proposta interessante: A Bin, depressivo desde o suicídio da esposa, só conseguirá efetuar o luto graças à resolução de um assassinato. Uma morte se comunica com outra, ou melhor, o fato de ajudar uma mulher a superar sua dor o ajuda a resolver a sua própria. O projeto encontra no espelhamento entre sentimentos uma vazão ao trauma do protagonista, numa proposta orgânica e pouco previsível. As circunstâncias exatas da angústia de cada um são ocultadas ao público a princípio, para então serem desvendadas cena a cena, em conta-gotas. Em sua vertente de suspense, Summer of Changsha demonstra bom ritmo.

No entanto, à medida que se desenvolve, o projeto se torna cada vez mais fraco. Primeiro, por resolver o caso com uma facilidade anticlimática, por volta da metade da narrativa – o primeiro suspeito revela-se o culpado, as pistas estão disponíveis e fáceis de encontrar. Talvez fosse interessante apostar numa investigação menos espetacular do que o cânone hollywoodiano, porém o projeto chinês apenas explicita seu interesse limitado pelos rumos criados por si próprio. A investigação policial constitui um pretexto, o que conduz ao segundo problema notável: a banalidade estética do melodrama. Uma vez retirado o prazer do crime, resta ao filme investir em simbologias pesadas de vertente espiritual para fornecer um pouco de amor ao casal central. Enquanto Li Xuen tem visões do irmão falecido em sonhos, A Bin encontra a casa vazia onde morava com a esposa, sendo acolhido por uma luz dos céus, representando a falecida.

Além disso, o drama transparece a dificuldade em se concluir: cada personagem central, e mesmo alguns secundários, ganha duas ou três possibilidades de fim, enquanto saltos temporais insistem em mostrar suas vidas meses mais tarde. O que o diretor Zu Feng teria a dizer para além da constatação de que o sofrimento é universal, de que todo adulto esconde suas feridas não cicatrizadas? Por que reduzir a essência humana às dificuldades vividas? O discurso romântico segundo a qual um indivíduo é mais puro de acordo com a quantidade de dor suportada na vida (a ideia de martírio, portanto) se reflete em escolhas estéticas pendendo ao kitsch, apesar do começo relativamente sóbrio. Enquanto multiplica as lágrimas, o diretor propõe cenas de sexo selvagem dentro de um carro, ao som da chuva, em câmera lenta e com a luz amarelada da lâmpada iluminando os amantes, ou então o delírio dos protagonistas deslizando sobre colchões nas ondas do mar.

Summer of Changsha perde o rumo de tal modo que consegue incluir, na reta final, dois discursos conservadores, o primeiro em defesa da pena de morte, e o segundo, criticando o direito ao aborto. Ora, estes temas sequer tinham sido citados até os vinte minutos finais. O filme chinês parte de uma análise intimista para efetuar um painel sociológico apressado e questionável. Em consequência, soa pouco coeso e inchado demais para sua modesta investigação de valores universais. Ao embutir uma quantidade excessiva de temas e valores, o cineasta termina por sabotar um drama promissor.

Filme visto no 72º Festival Internacional de Cinema de Cannes, em maio de 2019.