O ciclo sem fim ou algo do tipo
por Laysa ZanettiNós costumamos pensar no tempo como uma progressão linear de causa e efeito. Mas, como diria Doctor Who, de um ponto de vista subjetivo e não-linear, o tempo está mais para uma espécie de círculo, uma bola em que causas e efeitos se misturam e se emaranham e, no fim, talvez nem saibamos o que era a origem e o que era o resultado.
Guardadas as devidas proporções, é assim que The Climb se apresenta ao público. A comédia sobre dois amigos, Michael (Michael Angelo Covino) e Kyle (Kyle Marvin) que se amam mais do que conseguem aceitar e precisam um do outro mais do que são capazes de admitir tem ares notadamente autobiográficos e realistas — a amizade na vida adulta, afinal de contas, é mais delicada e sinuosa do que saberíamos explicar antes de finalmente vivê-la, e a grande sacada desta comédia dramática é saber aproveitar tal delicadeza com graça e emoção.
O grande ponto de virada de The Climb é precisamente guardado dentro da sua premissa. A história se inicia quando Mike conta que se relacionou com a noiva de Kyle pouco antes da data marcada para o casamento, em uma hilária sequência de abertura dos dois em bicicletas. A partir daí, todos os anos de amizade entre os dois são imediatamente questionados e colocados em xeque.
O que poderia facilmente ser uma reflexão corriqueira sobre como as pessoas se afastam rapidamente se transforma quando The Climb se propõe a algo a mais — este algo a mais sendo justamente o que faz deste filme um ponto fora da curva, no melhor dos sentidos. Ele enxerga o ciclo da vida como algo mutável, uma série de acontecimentos que também dependem da permissividade e do poder decisório de cada um dos envolvidos.
Ao invés de se restringir à reflexão sobre esta amizade, The Climb também se abre ao estudo dos laços familiares após um acontecimento trágico fazer com que Mike e Kyle sejam forçados a um reencontro. É neste sentido que o filme sai do lugar de conforto e aborda temas delicados como depressão, dependência e uma amizade tóxica, de forma tão naturalizada que jamais chega ao sentimento da culpa.
Tudo isso é amplificado pela separação da história em capítulos — cada segmento é distinguido pelas estações do ano, e é interessante observar o quanto a fotografia e a edição de imagem utilizam cores e tonalidades diferentes para cada um destes capítulos. De uma certa forma, isso reflete a própria natureza do filme, que a todo tempo convida o espectador a se reorientar para entender quem fez o que com quem — se foi Mike o alvo de Kyle ou vice-versa.
Por tantos laços rompidos e refeitos e tantos erros e acertos, a maior recompensa de The Climb são os diálogos ágeis e sintáticos. As atuações de Marvin e do ator-diretor Covino são genuinamente espontâneas, um feito que não se restringe aos dois e também se estende à sempre divertida Gayle Rankin. O bromance é a ponta do iceberg de uma história perspicaz nos detalhes, mesmo quando os seus protagonistas não são capazes de entender o mundo à volta. O título, no fim das contas, é mais do que uma referência às bicicletas do incomum plano de abertura. Enxergar a amizade desta forma, como uma grande escalada é, se não tão confortável, pelo menos mais realista.
Filme visto no 21º Festival do Rio, em dezembro de 2019.