Qual é o maior pesadelo de uma mulher?
por Katiúscia ViannaVocê pode até não ter percebido, mas o nome de Emerald Fennell foi, aos poucos, se instalando na cultura pop. Ela foi a intéprete de Camila Parker Bowles em The Crown. Também foi a showrunner da polêmica segunda temporada de Killing Eve. Porém, realmente fez sua marca com a estreia na direção: Bela Vingança é um filme que ficará na sua memória, para o bem e para o mal. Afinal, é enraizado numa situação que, infelizmente, ainda acontece na sociedade. E está na hora de encarar os fatos.
Com o título original de Promising Young Woman (mais emblemático que sua versão nacional), o longa acompanha Cassie (Carey Mulligan), ex-estudante de medicina que largou os estudos por um motivo trágico. Desde então, ela sai todas as noites, fingindo estar bêbada em baladas e clubes, se usando de isca para dar lições em homens que tentam abusar dela. Só que um encontro vai culminar numa série de eventos vingativos que mudará sua vida para sempre.
Bela Vingança é ousado, mas perde potencial numa trama chocante
Escrita e dirigida por Fennell, é uma história feita para incomodar o espectador, pois retrata uma cultura do estupro ainda presente na sociedade. Onde abusar de mulheres bêbadas é visto como "algo comum". Ou deixar de acreditar quando alguém denuncia ter sofrido um abuso. Ou simplesmente sempre botar a culpa na mulher, mesmo que ela seja a vítima. São verdades nojentas que precisam ser comentadas, para que isso deixe de ser tabu e se torne uma mudança efetiva para salvar outras mulheres no futuro.
Mas, se tratando de um thriller, o filme deixa um gosto amargo na boca. Não daremos spoilers nessa crítica, obviamente, porém é possível falar de um aspecto problemático do longa. Para uma obra que se vende como "uma bela vingança" contra a cultura machista em que vivemos; são as mulheres que sofrem as vinganças mais potentes dessa história. Assim, perde boa parte da importância de sua mensagem. Talvez esse seja o objetivo de Fennell, mostrando uma realidade brutal do sexo feminino como vítima desse sistema no qual vivemos. Mas, ainda assim, é frustrante para um filme com tanto potencial.
Carey Mulligan está brilhante em Bela Vingança
Outra proposta de Promising Young Woman é subverter alguns gêneros do cinema, como comédias românticas. Para isso, Emerald Fennell construiu, meticulosamente, um universo com cores simpáticas e músicas pop, trazendo uma mentirosa sensação de segurança. Algo que exemplifica esse sentimento é o cover instrumental de "Toxic" da Britney Spears, que chega a ser arrepiante num momento-chave da trama.
Isso também fica claro nas escalações (bem inteligentes) de nomes famosos por comédias, entregando versões mais sombrias de si mesmos. Estamos falando de Alison Brie (Community), Max Greenfield (New Girl), Adam Brody (The O.C.), Christopher Mintz-Plasse (Superbad) e por aí vai... Sem contar o relacionamento entre Cassie e Ryan (Bo Burnham), envolvido em clichês do gênero. Obviamente, a história faz uma curva inesperada — que vai chocar a muitos, mas conversa com tudo que foi apresentado até então.
Por fim, é impossível fazer uma crítica desse filme sem falar de Carey Mulligan, que carrega o filme com grande talento; pois essa é uma tarefa difícil de performar. Sua performance é atrevida, conquista o apoio do público, dosando sarcasmo e drama para contar a história de uma alma perturbada que não busca a paz, mas sua própria punição a cada noite. Sejamos sinceros: Bela Vingança não é um filme perfeito, longe disso. Porém, ninguém pode acusá-lo de ser blasé.