Cinema-catástrofe
por Bruno CarmeloPor que artistas fazem filmes? Românticos dirão que o autor carrega consigo uma necessidade pessoal que precisa ser materializada em obras, quase contra a sua vontade. Idealistas dirão que o cinema representa um meio de transformar a realidade. Alguns políticos insistem que se faz cinema brasileiro para “mamar nas tetas do governo”, pela vida de luxo que isso supostamente representaria. Nesta trama, um experiente produtor (Nelson Freitas) tem uma ideia diferente: “Eu não faço filmes, eu faço dinheiro”, resume. Para os inexperientes amigos Pedro (Daniel Belmonte) e Fabrício (André Pellegrino), a motivação é ganhar prêmios em algum festival. Para isso, basta fazerem um “filme de festival” e o sucesso estará garantido.
O terço inicial desta comédia constitui a sua melhor parte, por conceber um amplo painel de absurdos e propor ao espectador que se una ao brainstorming. Enquanto o cinema surge como mar de possibilidades infinitas (dramas sobre cadeirantes cegos, histórias de superação, farsas sobre homens cegos), a realidade bate à porta de maneira menos empolgante. Os pais de Pedro, por exemplo, insistem que ele invista em alguma carreira de retorno financeiro garantido – um discurso que também encontra muitos adeptos hoje em dia. B.O. se inicia como uma despretensiosa crônica das dificuldades de fazer cinema no Brasil. Os diretores abraçam o humor patético, porém melancólico e terno no retrato desta dupla de fracassados.
Depois disso, a chegada do filme-dentro-do-filme transforma sensivelmente o resultado. O apelo inicial à imaginação, que solicitava um espectador ativo, se converte num ritmo meramente descritivo. Cabe ao público apenas apertar os cintos e testemunhar de modo passivo a esperada sucessão de catástrofes durante as filmagens. Em virtude da equipe fraca, roteiro ruim e atores inexperientes, o resultado poderia ser apenas um fracasso retumbante. O roteiro esmera-se então em concretizar esta promessa, tão imerso em sua própria fantasia que jamais dá um passo atrás para discutir o papel deste fiasco dentro de um contexto mais amplo – comparando-o com outros filmes, ou tornando-se abertamente político, por exemplo.
B.O. se satisfaz em oferecer um humor autocondescendente, mirando as figuras masculinas desastradas dos filmes de Judd Apatow, citado pelos colegas. O projeto brinca com os filmes de baixo orçamento sem criticá-los; cita a precariedade do cinema sem investigá-la; questiona o funcionamento de festivais e editais sem analisá-los. Permanecemos na primeiridade e imediatismo das ações, no caso, o prazer de ver atuações exageradas, técnicas toscas de filmagem, soluções narrativas irreais. Pedro e Fabrício – ou talvez seja melhor dizer Daniel e André – pretendem fazer um daqueles “filmes bons de tão ruins”, ou ainda sua versão de The Room, clássico B dirigido por Tommy Wiseau e concebido como um drama sério, até o público perceber o valor humorístico de sua má qualidade.
A diferença é que Artista do Desastre, o filme sobre os bastidores de The Room, referenciava um filme que realmente existiu, e cujas partes icônicas já eram conhecidas pelo público médio. B.O. constitui uma ficção sobre outra ficção, ambas um tanto absurdas e limitadas à única piada da produção deficiente. Os personagens não se desenvolvem, e nem mesmo a premissa original se aprofunda – algo provavelmente considerado necessário ao funcionamento da comédia, mas que não soa incompatível com a ambição discursiva.
Pelo menos o filme demonstra um eficaz trabalho de câmera, muito ágil e preciso na tarefa de “decupar dentro do plano”, ou seja, reenquadrar enquanto um diálogo ou cena se desenvolve. Aliado à montagem pertinentemente elíptica e ao trabalho muito competente de som, o resultado jamais confunde a debilidade do filme-dentro-do-filme com a qualidade da própria obra. Em paralelo, as atuações são desenvoltas, fruto de uma série de participações de atores habituadas a este tipo de comédia – mesmo que George Sauma, como de costume, amplie sua composição alguns graus acima do necessário. Para um filme de tamanha criatividade, e versando sobre a arte de se virar a qualquer preço, faltou apenas a habilidade de mesclar humor a reflexão.