Quatro episódios em um filme
por Sarah LyraUm desafio que todas as séries de televisão precisam superar, em uma adaptação para o cinema, é descobrir como transportar e condensar um universo previamente estabelecido dentro de um formato para outro cujas configurações são essencialmente distintas. Na TV, principalmente no caso de uma sitcom, há uma participação e influência mais direta do público. Uma série que sobrevive a tantas temporadas no ar, como é o caso de Vai Que Cola, precisa do aval do público para permanecer em uma grade de programação, principalmente uma tão disputada quanto a da TV Globo. No cinema, por outro lado, esse tipo de engajamento é mais restrito, o aparelho retangular colocado nos principais cômodos da casa deixa de fazer a mediação entre obra e público, e a audiência perde o acesso ilimitado aos seus personagens favoritos, que até então eram convidados a fazer parte do ambiente familiar com apenas um clique no controle remoto.
Não se pode negar, portanto, que essa interferência na relação do público e, principalmente, as particularidades de cada mídia são fatores essenciais a serem levados em conta no momento de pensar a obra. Quando isso não é feito, fica claro que a motivação por trás do projeto é essencialmente financeira, o que normalmente acarreta em um desapego na qualidade artística. Ao assistir a Vai Que Cola 2 - O Começo, é possível notar que o longa dirigido por César Rodrigues tem dificuldades em se manter coeso, mesmo com uma proposta leve e bem-humorada de retratar um cotidiano despretensioso no subúrbio carioca.
Se no primeiro filme a forte presença de Paulo Gustavo também funcionava como fio condutor da trama e do tom empregado nas piadas, no segundo a ausência do humorista não apenas é notada, como sentida. Embora a premissa de mostrar as origens de personagens consagrados tenha se tornado cada vez mais frequente no cinema, no caso de Ferdinando (Marcus Majella), Terezinha (Cacau Protásio), Jéssica (Samantha Schmütz), Máicol (Emiliano D'Ávila), Dona Jô (Catarina Abdalla), Lacraia (Silvio Guindane) e Velna (Fiorella Mattheis) não há uma trama que justifique o produto final. Na maior parte do tempo, Vai Que Cola 2 - O Começo parece uma sequência de esquetes, como se os realizadores tivessem gravado quatro ou cinco episódios para a TV e decidido juntá-los para chamar de filme. Não que isso seja um problema em si, mas inevitavelmente nos faz questionar a necessidade de levar a história para o cinema — não é coincidência que um dos núcleos que melhor funciona na trama é aquele envolvendo Tiziu, o grande amor de Terezinha, que nunca apareceu na série e, no filme, abre muitas brechas criativas para que sua história seja contada.
Dado o caráter segmentado do longa, a qualidade também oscila bastante, ora nos surpreendendo com sacadas divertidas, ora beirando o bizarro. As referências à cultura pop se mostram decisões acertadas em alguns momentos, principalmente aquelas a O Rei Leão e Matrix; outras, no entanto, como a homenagem a Lua de Cristal, soam arbitrárias e uma tentativa fácil (além de apelar para a nostalgia do espectador) de gerar risadas, principalmente por ser inserida durante um ponto-chave da trama, em que a ideia é criar tensão e se espera acompanhar a resolução de um conflito. A participação de um icônico personagem do filme de 1990, assim como a retomada da rixa entre Jéssica e Shirley (Alice Morena), parecem artifícios para ganhar tempo e prolongar um clímax que, quando finalmente chega, deixa a desejar pela facilidade com que tudo é resolvido.
No que diz respeito à estética, Vai Que Cola 2 - O Começo é eficiente ao empregar cores saturadas e texturas elaboradas (como a de um aglomerado de fiações expostas) para dar vida ao Morro do Cerol e ao Méier. Note como, na cena inicial, a câmera aérea se movimenta de modo a acompanhar um grupo de crianças tentando alcançar uma pipa, um recurso que, além de apresentar de forma sucinta e criativa o ambiente em que parte da história vai se passar, também dá personalidade ao local e contextualiza quanto aos hábitos e estilo de vida daquelas pessoas. O design de produção, de madeira geral, só peca ao glamorizar levemente alguns dos cenários e objetos populares vistos em cena, como a cozinha de Dona Jô, que ganha identidade com seus azulejos vermelhos, mas, simultaneamente, parece intocada, como ambientes em uma página de revistas de decoração.
De modo geral, Vai Que Cola 2 - O Começo é um filme bem intencionado, exibe um esforço criativo na construção visual e tem personagens carismáticos — embora quase sempre caricatos —, mas a ausência absoluta de um enredo que costure e impulsione a trama (sobre o que é o filme, afinal?), e de um mínimo de profundidade no desenvolvimento dos personagens, evidenciam o caráter predominantemente comercial de um longa que não consegue justificar sua realização. Ao fim, nota-se que o filme é priorizado em detrimento da história, quando deveria ser o contrário, a história é o que normalmente justifica a existência de um filme.