Rumo à integração social
por Bruno CarmeloO documentário brasileiro-uruguaio parte, a princípio, de boas notícias: quando alguns prisioneiros de Guantánamo ganham a liberdade, o Uruguai se oferece para acolhê-los no país, oferecendo subsídios aos detentos e seus familiares durante dois anos, para que possam se habituar aos costumes locais, encontrarem emprego e se integrarem plenamente à sociedade. “Mas que benefício eles trariam ao Uruguai?”, pergunta uma repórter, ao que o ex-presidente José Mujica responde: “O benefício é para a humanidade”. Fim da conversa. O filme se abre com uma manifestação política concreta de solidariedade – na verdade, talvez ele se inicie onde a maioria dos documentários terminaria: com perspectivas otimistas de um futuro melhor.
No entanto, o interesse do diretor Guillermo Rocamora se encontra na prática deste processo de abertura humanista. Durante mais de dois anos, ele acompanha a rotina do palestino Muhammad, entre idas e vindas a escritórios diplomáticos e possíveis empregadores. O cineasta encontra não apenas freios burocráticos, mas culturais, econômicos e morais: nenhuma empresa aceita contratar um homem que permaneceu treze anos em uma das prisões mais famosas do mundo, especialmente quando sua desenvoltura com a língua espanhola é mínima e os costumes da religião muçulmana freiam parte de sua atividade profissional – Muhammad não pode trabalhar em supermercados, por exemplo, por venderem produtos proibidos pelo islamismo como carne de porco e bebida alcoólica.
O retrato do protagonista adquire uma complexidade ímpar. Nem vítima, nem algoz, o homem é emudecido pela barreira linguística, mas também pelas dificuldades de compreender o outro, e por não ter a quem recorrer. O filme se torna a crônica de um impasse: a nação deseja acolher o imigrante, que se esforça em corresponder às demandas locais, mas estes dois universos não se encontram. Se os uruguaios de cinquenta anos de idade encontram dificuldades para se posicionarem no mercado de trabalho, o que dizer de um ex-presidiário palestino nas mesmas condições? Como reagir a tantos pedidos para “ter paciência e continuar tentando” enquanto o dinheiro se esgota? Com delicadeza e olhar atento, o diretor ilustra de que modo operam o preconceito velado e o desprezo cotidiano conta o imigrante, o árabe, o “diferente”.
Para fugir aos estigmas sofridos pelo personagem, o filme jamais investiga os motivos que levaram Muhammad à prisão. Pouco importa, de fato: ele já cumpriu sua dívida com a sociedade, e agora está pronto para contribuir novamente. Afinal, não seria este o objetivo da cadeia: preparar a reinserção de indivíduos que infringem às leias? Ou a prisão ainda é utilizada como instrumento de vingança e justiçamento por parte da opinião pública? Liberdade é uma Grande Palavra constata a ironia de ter um personagem livre, mas impedido de deixar o pequeno país onde se encontra, rejeitado por empregadores, impossibilitado de praticar sua religião com tranquilidade. Em determinado momento, ele é obrigado a confessar com amargura na voz que o cárcere, com suas refeições diárias e sem aluguel para pagar, tinha lá suas vantagens.
Felizmente, o projeto nunca depende apenas de seu protagonista para discutir as relações entre o indivíduo e a sociedade. As escolhas estéticas são igualmente interessantes e profundas. Primeiro, constata-se uma produção refinada, com recursos suficientes para acompanhar o personagem durante muito tempo enquanto ostenta ótimo cuidado de iluminação, câmera e montagem. Rocamora não apenas se ajusta às possibilidades oferecidas ao seu redor: muitos planos soam compostos, criados com objetivo imagético e narrativo preciso. Quando Muhammad narra as torturas recorrentes que sofria dentro da prisão, o contraponto imagético nos remete à natureza vista por uma janela, como ideal de uma liberdade relativa, e também como alternativa poética a uma realidade de difícil representação.
Em paralelo, o filme sabe quando observar seu protagonista de perto, nos percalços do dia a dia, e quando deixá-lo em momentos de intimidade e sofrimento individual. Existe evidente respeito por este homem, filmado de igual para igual, sem o fetiche exótico de tantos estudos sociais. Embora a estética seja muito bem controlada, existe abertura às manifestações espontâneas de seu material humano. Liberdade É uma Grande Palavra se conclui sem soluções fáceis nem acusações gratuitas. Pelo contrário, ele demonstra as barreiras existentes mesmo em países progressistas na hora de acolher a alteridade. Deste modo, acaba debatendo não apenas a situação dos refugiados, dos árabes e dos ex-presidiários, mas de toda forma de minoria culturalmente desprezada e economicamente explorada pelas sociedades contemporâneas.
Filme visto na 24ª edição do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários, em abril de 2019.