Um objeto difuso
por Bruno CarmeloSe o espectador procurar por informações sobre o Grupo Opinião, encontrará a data de fundação, logo após o golpe militar, o nome de seus principais membros, a confluência entre teatro e música, as táticas inteligentes para driblar a censura do governo, o nome das principais obras. Muitos destes dados estão salpicados, aqui e acolá, ao longo do documentário Memórias do Grupo Opinião. No entanto, o projeto adota uma metodologia bastante confusa para mergulhar em seu objeto de estudo.
No início, é possível crer que o filme esteja fazendo um retrato da ditadura militar, ou da produção cinematográfica da época, com destaque para o Cinema Novo e Glauber Rocha. Fala-se bastante sobre o Centro Popular de Cultura, em quantidade tão expressiva que este parece ser o verdadeiro tema. O diretor Paulo Thiago demora um tempo considerável para apresentar o grupo Opinião e, quando o faz, evidencia a dificuldade em apreender esta iniciativa como um todo. É compreensível a tentativa de estabelecer uma contextualização histórica, contanto que ela seja vista como tal: o prelúdio para um tema subsequente. No entanto, os tópicos são despejados de modo abrupto, nuclear, sem as necessárias relações temporais, ou de causa e consequência.
Os problemas de estrutura estão visíveis desde o roteiro. Ao invés de enxergar o Grupo Opinião como um movimento coeso, o discurso prefere fazer uma ampla demonstração musical, dando a entender que se tratava de uma nova iniciativa de cantores e compositores, para só então lembrar que havia teatro dentro desta iniciativa. Informações essenciais à narrativa são reservadas aos letreiros finais, e algumas obras produzidas são rapidamente mencionadas, ou esquecidas. A dissolução do grupo, por exemplo, não surte qualquer efeito dentro do filme. Ao mesmo tempo, dedica-se tempo considerável a citar pessoas, apontadas repetidas vezes, e ilustradas por rápidos flashes fotográficos acompanhados de letreiros.
Esta maneira particular de referenciar artistas diz muito sobre o caráter redundante da linguagem cinematográfica empregada. Quando um personagem cita Zé Keti nos depoimentos, por exemplo, a tela é tomada por uma foto de Zé Keti, ao lado de um letreiro onde se lê “Zé Keti”. Além de as fotografias serem trabalhadas com pouco cuidado, em diferentes qualidades e formatos, elas se resumem a ilustrar o óbvio, a superfície de uma ideia. Tamanho esforço em multiplicar letreiros de nomes poderia ser empregado em melhor compreender estas pessoas, em buscar outras fontes – muitos materiais provêm da TV Cultura – e modos mais criativos de representação.
Isso não impede que o projeto tenha algumas boas escolhas, como a recriação de canções da época na voz de cantores contemporâneos. O contraste entre as letras dos anos 1960 e as vozes de hoje constrói uma bem-vinda ponte entre épocas, aproximando a manifestação antiga de um público contemporâneo. Mesmo assim, estes momentos se perdem diante das falhas graves de edição, que dissipam a força dos depoimentos. Sempre restará o prazer de ver Nara Leão cantando, Maria Bethânia ocupando o palco ou Antônio Pitanga se expressando com sua verve habitual, ainda que estes méritos recaiam mais sobre os artistas do que sobre o registro dos mesmos.