O filme de Kamala Khan e suas amigas
por Aline PereiraEm 2023, a Marvel lançou nos cinemas um grande sucesso, Guardiões da Galáxia Vol. 3, e um retumbante fracasso, Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania. Na reta final do ano, a expectativa é de que As Marvels chegasse para desempatar esse jogo – para o bem ou para o mal. Nesta equação milionária, entra a boa química entre as protagonistas, o destaque de uma potencial nova estrela do estúdio versus uma história que tem muito pouco a oferecer e que se apoia demais em notas de rodapé.
Em As Marvels, Brie Larson retorna ao papel de Capitã Marvel para solucionar um problema antigo trazido por fendas espaciais que estão ameaçando o universo. O principal ponto aqui é que ela ganha nova companhia quando descobre que um fenômeno ainda desconhecido fez com que seus poderes se entrelaçassem com os de outras duas heroínas, com quem, a partir daí, precisa aprender a trabalhar em conjunto.
A primeira que vemos em cena é a adolescente Kamala Khan (Iman Vellani): com o codinome Miss Marvel, a personagem estreou no Universo Cinematográfico da Marvel com sua própria série em 2022 é a fã número 1 da Capitã. Depois, surge Monica Rambeau (Teyonah Parris), filha de Maria Rambeau (Lashana Lynch), grande parceira que Carol Danvers perdeu. Detalhe importante: Monica e Carol não se falam há anos e, agora, a cientista também tem superpoderes que surgiram em sua participação na série Wandavision.
Quantas séries da Marvel você já assistiu?
Tanto a origem de Kamala, quanto a dos poderes de Monica não estão em As Marvels, mas sim nas séries e embora alguns dos filmes mais recentes do estúdio também já tenham feito essa ponte entre as produções cinematográficas e televisivas, esta foi a primeira vez em que senti que, talvez, o apoio em informações prévias tenha se tornado um obstáculo mais visível. Não porque o filme deixe seu público sem entender quem são as personagens que está apresentando, mas porque o “resumo” de quem são e o que estão fazendo ali pode criar uma barreira na conexão com elas.
É curioso que a catástrofe que fez com que Monica adquirisse superpoderes em Wandavision tenha sido explicada com alguns poucos “atravessei o feitiço de uma bruxa”, mas tudo bem, sua história não tinha tantos detalhes assim (por enquanto!). Com Kamala, a questão é muito mais profunda: a série do Disney+ levou seis episódios para nos mostrar como a adolescente descobriu e dominou seus poderes, bem como sua adoração à figura da Capitã Marvel.
Estes dois pontos estão profundamente conectados com a trama central do filme e que tenho dúvidas se foram expostos o suficiente para conquistar o coração de quem está vendo a Miss Marvel pela primeira vez (um fator certamente considerado pelo estúdio), tanto quanto ela me conquistou em sua série. Kamala é, sem dúvidas, uma das grandes estrelas da nova geração dos heróis e tem tudo para ser uma líder com potencial para cativar o público mais “casual” no cinema. Na fase em que o estúdio se encontra agora, seria um bom movimento do estúdio abraçar Iman Vellani e garantir que ela continue emprestando seu carisma brilhante e autêntico em meio a uma nova leva de personagens que ainda não tem futuro muito certo.
Se por um lado, as séries de televisão são uma boa alternativa para expandir o universo cinematográfico e oferecer mais histórias aos fãs que querem consumi-las, sinto que As Marvels talvez tenha colocado as produções como uma lição de casa que pode ser cada vez mais volumosa.
Grandes protagonistas brilham em história simples
A relação entre Monica, Carol e Kamala é o trunfo de As Marvels não só porque as atrizes encontraram um bom tom para as interações entre as três personagens, mas porque a diretora Nia DaCosta (do ótimo A Lenda de Candyman) se saiu bem no desafio (que imagino não ter sido muito simples) de equilibrar os pratos no que diz respeito à distribuição dos poderes, importância na história e sensibilidade emocional. É este relacionamento que nos entrega os momentos mais divertidos e mais genuínos do filme – incluindo as interações com Samuel L. Jackson como Nick Fury.
Quem conseguir se entreter com as personagens o suficiente para não se incomodar com os deslizes da história vai ter uma experiência melhor. Em As Marvels, tudo é simples até demais: temos aqui, basicamente, uma história de vingança levada por uma clássica vilã (Zawe Ashton) que quer destruir o mundo porque acredita em um propósito de justiça. Nada de errado com a fórmula, que já foi trabalhada magistralmente em outras produções, inclusive dentro do Universo Cinematográfico da Marvel – como o antagonista Killmonger (Michael B. Jordan) em Pantera Negra.
A questão é que falta profundidade. Veja bem: ainda levando em consideração que o gênero de super-heróis tem prioridades que não necessariamente passam (e nem precisam passar) por uma complexidade tão elaborada assim, nossos muitos anos como espectadores já nos deram uma ideia bem sólida do que esperar da construção dos personagens – uma boa ilustração das motivações aliada a uma atuação marcante costumam cumprir a tarefa, mas fiquei com a sensação de que faltam um pouco das duas coisas.
O antagonismo não muito convicente também parece esquisito quando comparamos a vilã com a Capitã Marvel. Aqui talvez seja apenas uma percepção, mas a heroína que vimos em Vingadores: Ultimato me pareceu muito mais forte do que a Carol que encontramos aqui. “É como se você tivesse dado a ela energia para usar contra você”, explica Monica em um determinado momento do filme. Existe aí um bom discurso para falar sobre vingança de forma mais particular, mas que nunca é verdadeira explorada.
As Marvels tem seus melhores momentos quando abraça a própria simplicidade e, mesmo com as falhas, oferece ao público uma aventura (bem mais curta do que o comum, por sinal) que tem sua simpatia e acerta muito com o elenco. Se isso é o bastante ou não, talvez fique a cargo da expectativa que se coloca. Falando nisso, suspeito que é a cena pós-créditos o que torna este longa um momento importante para quem já estava aguardando por uma certa notícia já discutida há muito tempo – e esta sim levanta curiosidade para o que vem depois.