Observando o erro
por Barbara DemerovO sentido de "normal" que a diretora Adele Tulli se refere em seu documentário é aquilo que todas as pessoas consideram estar confortavelmente dentro da regra, ainda mais quando falamos sobre viver em sociedade. O problema é que muito do que é "normal" nada mais é uma regra imposta há centenas de anos que retira, em partes, a liberdade do ser humano. Se a criança é menina, ela precisa furar a orelha e colocar brincos que mostrem sua feminilidade. Se a criança é menino, ele precisa aprender a ouvir seu espírito aventureiro em atividades que condizem com seu sexo.
Essas e muitas outras normas que a sociedade tanto obedece ainda nos dias atuais estão presentes em Normal, filme inteiramente focado em observar o comportamento humano seguindo a ideia do que é "ser" homem ou mulher. A diferença que a câmera de Tulli capta é, obviamente, contrastante demais. Há passagens em que noivas têm uma aula para serem esposas exemplares, visando aprender a entrarem no papel de companheiras dedicadas aos seus maridos como se eles fossem um filho. Essas exatas palavras são ditas em tom de discurso - este já estipulado há séculos.
O que Tulli registra nada mais é do que a prova firme de que os problemas relacionados ao machismo e desrespeito à mulher (seja físico ou mental) começam desde muito cedo. Afinal, as mulheres crescem com a ideia de que ser bonita é mais importante para atrair alguém do que como um bem-estar próprio, e a maioria dos homens sequer é educada mirando a importância do respeito que devem expressar a elas.
Como Normal bem mostra, o senso de igualdade não é assunto em nenhum dos casos. As cenas, que vão desde um concurso de beleza até um ensaio fotográfico de um casal, nunca equiparam ambos os lados. Elas sempre caem na sensação de inferioridade imposta às mulheres - e não uma inferioridade desconfortável e latente, mas sim uma que vai preenchendo os espaços com olhares ternos e palavras simpáticas.
Porém, o que a diretora faz tão bem no quesito da demonstração e distinção deste problema estrutural não é equilibrado com mais discussões sobre o tema. É interessante ver de modo tão explícito - dentro do estilo observativo do documentário - como os comportamentos passam despercebidos para muitas mulheres e homens; mas, ainda assim, o filme poderia ganhar mais peso com entrevistas e uma abordagem mais analítica.
Sem propor possíveis soluções para a questão, Normal parece se contentar que é essa a realidade a qual mulheres estão fadadas a vivenciar. Ao mesmo tempo em que sabemos não ser essa a intenção da diretora (que aponta e critica nas entrelinhas a diferença de tratamento entre homens e mulheres), a ausência de mais argumentos e possíveis caminhos dificultam o olhar de que as coisas "são o que são".
Filme visto durante a 8 1/2 Festa do Cinema Italiano, em setembro de 2020.