Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Chão

A luta permanente

por Bruno Carmelo

Que bela ideia de começar o documentário com uma senhora, de idade bastante avançada, pensando no futuro. Ela faz planos para a sua vida quando tiver um pedaço de terra. Numa lousa, imagina onde ficaria o gado, onde plantaria os pés de frutas e verduras. Esta mistura de resiliência e utopia ditam o tom de Chão, documentário sobre o combate de décadas do MST, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em busca de reconhecimento pelas ocupações em terras improdutivas.

A diretora Camila Freitas percebe que o tempo é um material importantíssimo ao projeto. Ironicamente, o sentimento de urgência e o fervor das reivindicações políticas são equilibrados com um aspecto melancólico, devido ao fato de os membros do grupo ainda não terem conquistado as sonhadas terras em virtude dos lentos trâmites da justiça brasileira. Para cada instante potente de engajamento – a entrada nas terras, as passeatas pelas ruas para combater a imagem negativa do MST na mídia – existem outros, silenciosos, de espera sob os barracos, e de constatação que o término de um processo judicial pode demorar vários anos.

Em virtude do período dilatado, a cineasta toma o tempo necessário de filmar o movimento com uma calma e controle invejáveis. As belíssimas composições da terra, dos campos plantados e das casas são elaboradas com cuidado e apuro estético. O tratamento de som é surpreendentemente limpo para um documentário onde existem, em determinados momentos, diversas pessoas falando ao mesmo tempo. Freitas possui ótimo olhar para a captação de símbolos que possam representar o todo, como a cabana de aparência frágil, que busca resistir às chuvas, ou as placas pichadas pelos manifestantes.

A montagem, igualmente, demonstra precisão na hora dos cortes e do agenciamento entre cenas, ainda que se perceba a dificuldade em sacrificar partes interessantes em prol do ritmo. Meia dúzia de cenas se esticam até que os personagens comecem a repetir suas falas e gerem certa impressão de certa redundância. Os 112 minutos de duração soam excessivos para um projeto que ganharia maior impacto com cenas mais enxutas. Do mesmo modo, seria importante trabalhar a luta como um processo dinâmico, em constante transformação, embora o MST seja apresentado como um grupo surpreendentemente coeso, de decisões estabelecidas e acatadas por todos.

Como os membros do grupo decidiram ocupar as terras do antigo ministro Blairo Maggi? A imagem do MST na imprensa sempre foi a mesma? Como se estruturam as hierarquias internas? Os vários subgrupos do Movimento possuem a mesma visibilidade? Não sabemos. Chão evita filmar as reuniões, recusa a impressão da ação ao vivo para além da cena da ocupação inicial. A diretora está mais interessada em se apropriar dos espaços, em combater uma ideia de militância virulência com o retrato humano e empático de agricultores que reivindicam um direito previsto em constituição. Para quem espera da luta seu caráter sanguíneo, o documentário oferece contemplação.

Filme visto no 69º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2019.