Caça à bruxa
por Bruno Carmelo“Mãe, olha para mim. Eu saí da sua vagina. Sou tão feia assim?”. Petrunya fica revoltada quando a mãe demonstra desprezo pelo corpo nu da filha. Aos 32 anos de idade, esta historiadora representa um símbolo de fracasso social aos olhos de todos: não se casou, está desempregada, é considerada feia (“um monstro", ainda de acordo com a mãe), não manifesta apreço pela religião e defende as revoluções comunistas do último século. Ela se sente tão excluída que, um dia, joga-se no rio no momento exato em que ocorre um ritual religioso exclusivo para homens. Diante da tarefa de pegar uma cruz lançada por um pároco, quem alcança o objeto sagrado é Petrunya.
A diretora Teona Strugar Mitevska tem plena consciência de estar trabalhando com pequenos símbolos, dentro de uma fábula exemplar. A cerimônia religiosa, no fundo, importa muito pouco, porém serve a representar o dia em que uma mulher completamente marginalizada decide se confrontar ao patriarcado. Em questão de poucas horas, uma mulher solitária é confrontada à brutalidade física e psicológica de instituições poderosas e machistas como a polícia, a Igreja ortodoxa e a população de jovens homens que se acreditavam merecedores da cruz. A narrativa acompanha o calvário legal e moral da protagonista diante da ordem vigente.
Por um lado, é delicioso ver a desbocada Petrunya (Zorica Nusheva) confrontar padres e policiais à sua própria falta de lógica no pretenso respeito à laicidade. As farpas do diálogo lançam um retrato da Macedônia que não deve ser tão diferente de qualquer outro país cujo poder é majoritariamente reservado aos homens – inclusive o Brasil. Por outro lado, quanto mais a história se desenvolve, mais ela coloca na boca de Petrunya tudo o que pretendia dizer sobre a importância da emancipação feminina, a igualdade de gêneros e a separação entre Igreja e Estado.
Em outras palavras, esta mensagem é dita pelos personagens, e não representada em imagens. Esta constitui uma saída fácil para canalizar seu discurso, enquanto as imagens supostamente amadoras do operador de câmera local respondem por uma quantidade excessiva de cenas. Enquanto discute política, Teona Strugar Mitevska não constrói uma forma politizada em si, apenas uma sucessão de close-ups claustrofóbicos em Petrunya, um tanto mal iluminados, em movimentos de câmera mal ajustados. É compreensível que a atenção se volte a ela, mas por que espremê-la nos enquadramentos, mesmo quando está sozinha dentro de uma sala da delegacia?
É possível que a escolha se justifique pelo caos vigente na história, ou talvez pela busca de uma estética distante das belezas tradicionais – valorizando o “feio”, como dizem da própria personagem. No entanto, de modo geral, as cenas transparecem a dificuldade em lidar com espaços, algo essencial no retrato metafórico de um país inteiro. A conclusão torna-se o ápice do descompasso: embora seja muito satisfatória para a trajetória de Petrunya, revela-se banal enquanto construção formal. Resta a impressão de que God Exists, Her Name is Petrunya parte de um roteiro excelente, repleto da ironia mordaz dos huis clos teatrais, porém sem jamais encontrar uma forma à altura de seu tema e da qualidade de sua atriz.
Filme visto no 69º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2019.