O choro preso na garganta
por Bruno CarmeloA priori, este projeto chinês constitui um melodrama de grande apelo emocional. A história parte de um casal, Yaojun (Wang Jingchun) e Liyun (Yong Mei), que perde o filho pequeno, afogado numa represa. Em seguida, tentam de todos os tipos superar a dor da tragédia, sem sucesso. Este percurso inclui o abandono de uma criança, aborto, infidelidade, mudança para outra cidade e trabalho forçado. No entanto, o diretor Wang Xiaoshuai não pretende extrair o choro fácil, tratando de ocultar a maioria das cenas de catarse. Quando são inevitáveis, filma-as de muito longe, ou sem som, para diminuir o impacto.
Além disso, So Long, My Son apresenta um tratamento muito especial do tempo. Apesar das três horas de duração, a trama efetua longos saltos temporais: só descobrimos que o casal adotou uma criança muito depois de um garoto ser percebido dentro da casa. Compreendemos que se mudaram para outra cidade porque de repente os móveis são diferentes, o espaço é outro, e depois de várias cenas, algum personagem menciona a mudança num diálogo. Conhecemos o envolvimento de Yaojun com uma operária da fábrica apenas quando uma gravidez entra em jogo.
O espectador é introduzido numa história em andamento, e caberá a ele juntar as peças necessárias à compreensão do conjunto. O filme jamais expõe em diálogos algo além do mínimo necessário, ao passo que a dupla central conversa muito pouco, inclusive entre si. Xiaoshuai prefere a observação do dia a dia, com a câmera seguindo os personagens pelas ruas e fábricas, em luz natural, com um tratamento primoroso de sons ambientes. A miséria de Yaojun e Liyun não precisa ser sublinhada nas conversas, basta exibir a parte interna dos casebres ou as refeições modestas, comidas em silêncio. A narrativa acompanha estes dois ao longo de décadas, enquanto estabelece um paralelo com as transformações da própria China, do período comunista à economia de mercado.
O resultado poderia ser definido como um “épico íntimo”, ou seja, uma grande produção, com muitos cenários, dezenas de personagens, diversos figurantes e ações, utilizados para retratar os sentimentos mais profundos de um casal em luto. “O tempo parou para nós faz tempo. Agora só estamos esperando envelhecer”, explica o pai desolado, a certa altura da narrativa. So Long, My Son trabalha a ideia de que o evento traumático definirá o resto da vida de ambos, influenciando o amor um pelo outro, os trabalhos que desempenham, as cidades para onde se mudam. Não há nada mais triste do que observar aquelas duas vidas se definhando lentamente, diante dos nossos olhos, enquanto eles insistem em responder aos familiares: “Estamos bem”.
No terço final, o roteiro desacelera seus saltos temporais, impede a entrada de novos personagens e trata de amarrar os fios soltos. Por mais que a condução até então tenha parecido fria, com um grito preso na garganta dos dois ótimos e elegantes atores centrais, o drama não se priva de enfim fornecer a ambos uma válvula de escape, tratando de resolver simbolicamente todos os assuntos com os quais não sabiam lidar: o filho morto, o filho adotivo, o reconhecimento da fuga, um trauma vivido no trabalho, um segredo ocultado pelo sobrinho. As lágrimas enfim escorrem dos rostos, ainda que discretamente, como se o diretor não pudesse privar seus personagens de uma forma reconciliação, se não com o tempo perdido, ao menos com si mesmos e com a ideia de futuro. A conclusão, bela e dolorosa, comprova a capacidade de equilibrar as grandes transformações macroeconômicas de um país com as pequenas evoluções internas de uma mãe relembrando o filho morto.
Filme visto no 69º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2019.