Filme raso para temática complexa
por Sarah LyraAntes de qualquer consideração a ser feita sobre Eu Acredito, é válido ressaltar que a temática religiosa em si não é um dos problemas da produção, pois qualquer conteúdo, se bem elaborado, tem potencial narrativo. No caso do filme dirigido por Juergen Peretzki e Stacey Peretzki, a falta de um roteiro bem estruturado, a abordagem rasa sobre as motivações dos personagens e a ineficiência em evidenciar o propósito da trama são questões, de fato, problemáticas.
O enredo acompanha a trajetória de Brian Webber (Rowan Smyth), de 9 anos, em busca da fé. Um dia, ao voltar da escola, o menino passa em frente a uma igreja e se depara com uma mensagem sobre o poder do amor de Deus. Intrigado, ele começa a pesquisar sobre o Cristianismo, contra a vontade dos pais ateus, e desenvolve uma relação com o pastor da igreja. No dia seguinte, Brian se depara com um veterano de guerra com a perna amputada, e diz a ele que Deus acabará com seu sofrimento. Minutos depois, um milagre acontece e gera repercussão nos noticiários da cidade, enquanto a população local tenta entender a relação entre os acontecimentos e o garoto.
O amadorismo do longa é evidenciado logo nas primeiras cenas, quando nuvens em time-lapse (recurso com imagens aceleradas) preenchem a tela, enquanto uma voz aveludada, sugerindo a voz de Deus, surge citando trechos da Bíblia, remetendo às produções audiovisuais de baixo custo dos canais de TV religiosos, nos anos 90. Soma-se a isso o fato de que a atração do garoto por Deus acontece de maneira circunstancial e se torna uma obsessão sem nenhum tipo de embasamento emocional ou psicológico. Não fica clara, por exemplo, a inquietação interna que norteia qualquer ser humano em busca de mudanças, o que nos leva a questionar se a curiosidade de Brian não poderia ter sido facilmente direcionada para qualquer outro tema.
É natural que, para ressaltar a inocência e curiosidade do garoto, o roteiro use o ceticismo daqueles que o cercam como uma barreira para a evolução da fé, mas o recurso se torna problemático quando a mensagem passada é a de que todos os céticos sobre os ensinamentos da Bíblia são, necessariamente, pessoas ruins. O roteiro sugere que tudo na vida se resume a acreditar ou não em Deus, e falha em explorar devidamente as camadas e conflitos internos de cada personagem. Dessa forma, não é só o protagonista que sofre com a falta de profundidade, os personagens ateus também não apresentam qualquer tipo de inquietação, angústia ou histórico frustrado com religiões, eles são ateus, do ponto de vista do roteiro, apenas porque são ignorantes quanto a palavra de Deus.
O único que aparenta ter algum tipo de questão com a religiosidade é Robert (William McNamara), um âncora de telejornal amargurado que tenta noticiar o milagre de Brian como uma grande farsa, pois considera injusta a perda precoce de um ente querido. Ainda assim, a mágoa do personagem diante de um ser superior é pouco explorada pela trama, que usa essa característica de Robert apenas como um artifício para torná-lo um vilão à espera de redenção.
E se filmes com roteiros problemáticos por vezes se salvam na área técnica, o mesmo não pode ser dito sobre Eu Acredito. A estética, que deveria fluir naturalmente, acaba gritando e chamando a atenção do espectador mais desatento. Prova disso é o design de produção pouco expressivo, que faz um quarto de hospital parecer mais acolhedor do que a casa da família Webber, decorada com móveis luxuosos e intocados, como se ninguém habitasse aquele espaço.
E se a situação já não era boa nos primeiros dois atos, o terceiro não deixa qualquer dúvida sobre os problemas do roteiro, ao apresentar subtrama e personagens novos já no momento que os conflitos deveriam caminhar para uma resolução. Ao fim da projeção, a sensação é a de que os artifícios foram empregados sem muito critério, para reforçar uma mensagem rasa de que quem tem fé não tem problemas na vida.