Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Desvio

Punk rock na veia!

por Renato Furtado

Tudo parece aprisionar Pedro (Daniel Porpino). Primeiro há, é claro, a cadeia em si, com sua confusão de grades e gritos e guardas. Depois, como é um detento em regime semi-aberto e, por isso, pode trabalhar durante o dia, o homem tem que encarar os imensos corredores de um galpão usado para estocar o que parecem ser os produtos de um supermercado ou de um distribuidora. E em terceiro lugar, temos a vigilante câmera, com seus enquadramentos perfeitamente simétricos, que criam quadros dentro de quadros, constantemente prontos para encarcerar Pedro em seus limites visuais.

Desvio, estreia do diretor e roteirista paraibano Arthur Lins, deixa evidente que a pena que seu protagonista necessita cumprir, que as contas que tem para acertar com a lei, retornarão para assombrá-lo a cada esquina. Inclusive e até mesmo no feriado do Natal, quando Pedro ganha um indulto e, temporariamente livre, retorna à casa de sua mãe. Mas investigar os meandros do sistema carcerário brasileiro e de seu contexto de desumanidades não é o foco do cineasta, que demonstra grande criatividade ao esconder uma musical jornada de amadurecimento dentro de uma embalagem dramática mais pesada.

Este, afinal de contas, é um longa que orbita dois centros: Pedro, que retorna à cidade natal, Patos, com o desejo de rever e reencontrar figuras que conheceu há mais de 10 anos; e Pâmella (Annie Chrissel), jovem prima do protagonista que compartilha com ele o amor pelo punk rock. Quando Desvio finalmente encontra seu equilíbrio em meio aos seus pólos gravitacionais, é construída uma deliciosa e improvável amizade entre detento julgado pela sociedade e adolescente presa em um conflito geracional, relação reminiscente do cinema independente dos Estados Unidos e real trunfo desta obra.

Não é de se admirar, portanto, que o drama musical sofra em sua estrutura quando Pedro e Pâmella estão separados, o que ocorre diversas vezes durante a trama, que parece se recusar a admitir o protagonismo dividido pelos dois. Sem o apoio do arco da jovem, que passa pelo natural clichê da briga com os pais e pela necessária busca de um lugar próprio no mundo, a curva dramática do presidiário é pouco instigante. Por mais que realize comentários interessantes sobre a noção preconceituosa que antigos amigos e a família de uma pessoa que foi presa podem nutrir, Desvio perde fôlego quando Pâmella sai de cena.

Desse modo, nenhum dos dois recebe a atenção que suas interessantes constituições iniciais merecem, particularmente porque, por vezes, o roteiro parece fugir de suas raízes, narrativas e musicais. Estejam eles harmonizando ideias ou batendo de frente em decorrência de suas visões de mundo, obviamente díspares por questões de gênero e geração, Pedro e Pâmella sempre têm o punk rock como pano de fundo, estrelando as mais encantadoras cenas de desencontros e de aproximação da projeção. É, de fato, um deleite assistir à energia das músicas e da estética deste gênero fluir e permear os protagonistas.

Também por isso é que a decepção com o modo como o terço final do filme é conduzido se agrava. Ao recusar-se a entregar o desenlace mais inevitável e orgânico, Lins demonstra que tem coragem para evitar o esperado, mas igualmente evidencia sua imaturidade como realizador — na cena com a avó de Pedro, a trilha sonora é usada como muleta dramática, o que denota certa falta de confiança, por exemplo — ao arriscar-se nos momentos menos propícios. Contornar expectativas pode ser revigorante, mas, no caso de Desvio, seria mais prudente ater-se às promessas feitas por um roteiro que não pretende reinventar a roda.

Quando segue a cartilha, as tradições, linearidades e convenções do cinema mainstream, o filme procede por si próprio, indicando o potencial que Lins tem tanto como roteirista — esta função parece mais amadurecida —, quanto como diretor de produções, sobretudo, comerciais e palatáveis, mas com um toque pessoal; afinal de contas, não é nada usual ver uma obra do Nordeste brasileiro centrada no punk rock. Como os primeiros álbuns de artistas e bandas, esta estreia cinematográfica também tem seu frescor e também incorre em deslizes pueris, que só podem mesmo ser consertados com a maturação artística.

Com o espírito do punk rock em suas veias, Desvio é um filme objetivo, simples e direto ao ponto que peca ao procurar por complexidades incompatíveis aos seus acordes velozes e dissonantes. No momento, desprovido de uma sensibilidade crítica mais apurada — até mesmo acerca do punk e suas contradições —, Lins permanece no território juvenil dos Sex Pistols, onde há mais barulho do que sonoridade. Mas em seu primeiro filme, o cineasta também deixa claro que pode evoluir e atingir, quem sabe, um material mais na vibe da banda The Clash, acumulando complexidade sem perder sua irreverência e jovialidade.

Filme visto na 22ª Mostra de Tiradentes, em janeiro de 2019.