Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Honeyland

Salvem as abelhas

por Barbara Demerov

Uma mulher vestida de amarelo observa ao longe, do quintal de sua casa nas montanhas da Macedônia, a chegada de novos vizinhos. Desacostumada com o barulho externo e vivendo para cuidar de sua mãe, Hatidze Muratova acompanha com um olhar desavisado uma família turca entrando em seu mundo particular. Um mundo remoto em que trabalha com apicultura, sempre preparada para respeitar as abelhas que vivem próximas ao seu lar, dividindo o mel que lhe sustenta de forma justa, balanceada.

"Uma metade para mim, outra para vocês". Hatidze é uma personagem apaixonante, dona de uma doçura que é explícita no tratamento que dá às abelhas e se estende sem muitas delongas até sua mãe, que, já muito idosa, não pode sair da cama - além de ser cega de um olho e não ouvir muito bem. A protagonista, mesmo nunca tendo conhecido a maternidade, atua como uma protetora de todos os âmbitos de sua vida; especialmente no relacionamento com sua mãe, é possível sentir o zelo e a bondade que a acompanham.

E é justamente por sentirmos tão facilmente sua bondade que o constraste de Honeyland é tão duro. A família que chega num trailer com o pai, a mãe, sete filhos e seu gado possui um misto de generosidade com malícia, misturados entre os filhos e os adultos. Uma das crianças torna-se amigo de Hatidze e entende que, para ter o que deseja (no caso, o mel) é preciso de respeito à natureza e ao tempo das abelhas. Por outro lado, o patriarca logo quer aquilo que a protagonista mais preza, e deixa de cuidar de seu próprio negócio (seus animais que trouxe consigo) em troca do desejo do mel puro e que pode dar muito dinheiro.

Apesar de se tratar de um documentário, os diretores delineiam o filme a ponto de fazer com que os fatos que rodeiam Hatidze transformem essa história em algo tão poético que até poderia ser uma ficção. É a vida real que transforma uma história em arte, ou é a arte que dá forças a uma vida solitária? Em alguns momentos é muito claro que a presença dos diretores está bem demarcada, por mais que eles nunca falem com Hatidze ou insiram uma narração externa àquele mundo. Alguns acontecimentos parecem um tanto retocados para serem exibidos justamente quando a narrativa entra em conflito e exterioriza todo o drama da protagonista, mas o poder da história é capaz de se manter intacto.

As abelhas e Hatidze representam a Mãe Natureza em todo seu poder e compreensão de que doar é receber; ao mesmo tempo em que a família Sam (ou pelo menos boa parte dela) não tem ideia de como tratar bem o meio ambiente. Não há nada mais humano do que isso, e os diretores aproveitam essa discordância de pensamentos apenas registrando os atos de cada lado do muro. A montagem do filme já diz tudo por si só. Enquanto a mulher nunca deixa de querer estar perto das crianças daquela família e de ensinar a como retirar o mel da forma correta, os pais buscam meios de sobreviver sem pensar no desequilíbrio ambiental que pode ocorrer.

Com uma fotografia impressionante, Honeyland nada mais é que uma história sobre como o ser humano é capaz de viver de forma honesta e feliz com o que tem em mãos, enquanto também fala sobre como somos capazes de desmoronar nossos valores em prol da urgência, do desespero em ser melhor. Este é um estudo sobre ganância, uma reflexão sobre "a grama do vizinho ser mais verde"; mas também é uma belíssima poesia visual com ecos silenciosos.

Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2019.