Cinema descritivo
por Bruno CarmeloO projeto parte de uma intenção nobre: denunciar a ausência de mulheres na tradição de diplomatas brasileiros ou, ainda, criticar certa normalidade institucional na admissão exclusivamente masculina para altos cargos da administração brasileira. Contratada pelas próprias diplomatas, a cineasta Ivana Diniz se dedica a alguns polos distintos: o processo seletivo para o ingresso no Itamaraty, a ascensão de mulheres dentro do sistema e os códigos tácitos que privilegiam os homens.
Por se tratar de mulheres de extensa formação intelectual e política, o filme beneficia de falas contundentes e muito articuladas. Exteriores oferece um raciocínio claro sobre as origens da desigualdade e o modo como se manifesta diariamente. Além disso, as entrevistadas denunciam de maneira veemente, o machismo, os abusos sexuais, o racismo e a homofobia dentro desse sistema. Por um lado, o retrato espelha desigualdades comuns a estruturas hierárquicas de qualquer profissão – os homens são vistos como mais aptos a cargos de chefia, enquanto as mulheres são designadas a funções de secretariado -, por outro, revela detalhes específicos deste universo, como a concentração de mulheres diplomatas na África enquanto homens são escolhidos para grandes países europeus.
No entanto, o filme é prejudicado por um tratamento pouco refinado de som, imagem e narrativa. O documentário se divide em letreiros cronológicos meramente burocráticos, que não dedicam tempo suficiente para inserir a trajetória das mulheres pioneiras no contexto em que se encontram. Paralelamente, abusa de narração didática e uma trilha sonora insistente com dedilhados ao piano. Além disso, sofre com o trabalho de som e luz desigual entre os depoimentos, a manipulação pouco criativa do material de arquivo e movimentos bruscos de câmera nos espaços internos. O baixo orçamento se faz sentir no acabamento modesto da linguagem audiovisual.
O resultado também se fragiliza por reproduzir apenas uma sucessão de falas – contundentes, certo, porém descritivas. A direção não busca indícios para além daqueles fornecidos pelas entrevistadas; não confronta o sistema questionando os homens do alto escalão sobre o machismo institucional; não capta quaisquer imagens destas mulheres trabalhando no dia a dia. Diniz tampouco constrói metáforas ou símbolos capazes de ilustrar o privilégio masculino naquele meio – fala-se sobre o prestígio do terno e gravata, por exemplo, no entanto o espectador jamais tem a oportunidade de presenciar as roupas femininas entre os “uniformes” masculinos. Mesmo quando se mostra um pouco mais ambicioso, citando um crime homofóbico, o filme sequer justifica a natureza lesbofóbica do incidente.
Exteriores - Mulheres Brasileiras na Diplomacia é mais um documentário da recente cinematografia brasileira que se aproxima perigosamente da reportagem televisiva. Por se tratar de um projeto de encomenda, não possui confronto de pontos de vista, e o conteúdo é colocado acima da forma. O filme parece julgar a denúncia muito mais importante do que a maneira de retratá-la, fazendo do cinema um mero suporte para o veículo de uma mensagem – neste sentido, não muito diferente de um panfleto ou uma palestra. O cinema é capaz de veicular conceitos de grande complexidade, estimulando o debate não apenas pelo que diz, mas pelo que mostra. Neste sentido, o filme faz um uso excessivamente limitado dos recursos à disposição.