Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Vanishing Days

Tempo de abandono

por Bruno Carmelo

“Esse filme é como um quebra-cabeça. Espero que consigam entrar nele”, explicou o diretor, com surpreendente humildade, durante a apresentação do filme no Festival de Berlim. Zhu Xin sabe que não construiu uma obra de fácil compreensão, tanto narrativa quanto discursiva. Existem diversas leituras possíveis para a rotina da jovem Li Senlin (Jiang Li) e de sua mãe Caiqin (Chen Yan), obrigadas a lidar com uma série de desaparecimentos em sua vida – seja de pessoas ou objetos, definitivos (morte) ou temporários (fuga), dos outros ou de si próprias.

Assim, na imagem inicial, Li Senlin tropeça enquanto caminha no parque e cai dentro de uma poça d’água, algo percebido apenas pelo som e pelos espirros de água, já que o corpo se encontra fora do enquadramento – nesse projeto, até a imagem desaparece em prol do hors champs. Em seguida, os personagens perderão bandeiras vermelhas, representativas da própria China, pequenas tartarugas, sapatos e muitos outros elementos. Desaparecido num corte de montagem, Bo (Li Xiaoxing) pode ter se transformado num desenho encontrado no chão. Enquanto isso, as pessoas rabiscam em grutas e gravam seus nomes em lugares públicos como tentativa de driblar o esquecimento ou, simbolicamente, superar a morte.

Estes elementos são apresentados sem relação imediata de causa e consequência, nem mesmo uma certeza quanto à linha temporal. É possível que algumas cenas funcionem como flashbacks das demais, ainda que não haja separação estética precisa na delineação destas temporalidades. Enquanto isso, as cenas se arrastam em ritmo lânguido, permitindo a contemplação, especialmente das três mulheres – mãe, filha e tia – em suas andanças pelo apartamento. Nenhum personagem possui um objetivo preciso, um desejo específico. Zhu Xin prefere trabalhar uma constante impressão de desconforto, como se tudo não se passasse de um sonho, ou uma lembrança antiga, difícil de precisar.

A atmosfera etérea influencia na contradição essencial de Vanishing Days, que aborda cenas antinaturalistas com aparência quase documental. O filme transparece um notável cuidado com a construção dos planos e o uso de som direto, algo que imediatamente o afasta das produções caseiras. A textura das imagens e a vida destes personagens de classe média são plenamente verossímeis. Talvez por isso o seu delírio não se aprofunde nas possibilidades criativas do dispositivo, nem pareça uma loucura de fato. O filme pretende manter sempre um pé no real e outro na fantasia, ao invés de alternar entre momentos em que um registro predomine sobre o outro.

Por fim, este é um quebra-cabeça de difícil acesso. Aliás, mesmo a palavra “quebra-cabeça” se torna irônica, por implicar um jogo que exige nossa participação ativa para existir. Aqui, o espectador não terá facilidade de adentrar este mundo, acompanhar os personagens, temer por quem quer que seja. É possível que exista a morte de uma figura essencial à família, mas também se pode compreender que o homem nunca morreu de fato, o que dilui nossos vínculos afetivos com a trama. O resultado é um filme de fantasmas, mas também um filme-fantasma, espécie de exercício sobre o poder evocativo das imagens que pretendem aludir a uma série de elementos fundamentais sem apontar a nenhum deles de fato.

Filme visto no 69º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2019.