O gênio da lâmpada também tem seus desejos
por Aline Pereira“Lembre-se de que todas as histórias sobre desejos mágicos são lições de moral”, anuncia a personagem de Tilda Swinton em Three Thousand Years of Longing, novo filme de George Miller. Enquanto se prepara para o lançamento do spin-off Furiosa, o diretor responsável pela franquia Mad Max se debruça sobre uma trama que é tão fantasiosa quanto realista, à sua própria maneira, e traz uma dupla de gigantes nas telas. A clássica fábula do gênio da lâmpada ganha um clima grandioso para refletir sobre sua própria essência: histórias são poderosas.
Three Thousand Years of Longing acompanha Alithea (Tilda Swinton), uma solitária estudiosa de narrativas que viaja para dar palestras sobre linguagem, ficção e figuras mitológicas. Tudo muda quando, um dia, em seu quarto de hotel, Alithea liberta acidentalmente um gênio da lâmpada (Idris Elba) que estava aprisionado no recipiente há milhares de anos. Desesperado pela libertação, o Djinn, como é chamado, oferece à protagonista três desejos mágicos e, com a desconfiança dela, decide contar sua própria história, na tentativa de convencê-la a ajudá-lo.
Em uma modernização dos contos de As Mil e Uma Noites, o longa nos transporta ao clássico universo fantástico das fábulas sobre sultões, reis e divindades por meio da narração do Djinn, que viveu pessoalmente essas histórias - ou ao menos é o que ele afirma. É assim que a mente de Alithea e a do gênio saem do pequeno e monocromático quarto de hotel para o mundo mágico e gigantesco de George Miller.
Uma história sobre histórias
É grande a lista de filmes que falam sobre o próprio cinema, mas Three Thousand Years vai um pouco além nessa temática ao homenagear a mais pura “existência” das histórias, se é que podemos colocar assim. Quando Alithea, sozinha em seu quarto, se deixa levar pelas histórias do Djinn, existe uma mensagem importante sobre a importância de ouvir experiências (reais ou não) e tomar conhecimento de outras vivências (também reais ou não).
As crenças pessoais de Alithea não ficam completamente claras e cabe ao público interpretar a personagem, mas é notável a mudança de perspectiva que o gênero dá a ela pelo simples fato de contar uma história. Como narratologista - nome da profissão de quem estuda narrativas de ficção ou não-ficção -, a protagonista tem uma visão pragmática sobre o assunto e o encontro com o Djinn a oferece uma nova visão tão pessoal que resulta em uma transformação interna (melhor detalhada no filme, mas não daremos spoilers).
A interpretação sobre o quanto daquele encontro é real também fica para julgamento do público, mas independentemente disso, o fato é que Three Thousand Years quer reforçar o poder das narrativas, da literatura e mesmo da imaginação como ferramentas para expandir a compreensão e o entendimento do mundo que nos cerca - mais do que isso, são até como um meio de salvação e de sobrevivência. George Miller e seus atores fazem uma bonita homenagem ao próprio ofício como contadores de histórias em duas frentes principais: os diálogos mais íntimos e a construção de mundo.
As narrações de Idris Elba são ilustradas por flashbacks do Djinn que mostram seus antigos tempos no ocidente e tudo é muito (mas muito!) dramático. O longa pega pesado nos efeitos visuais para construir este universo - que lembra mais o trabalho que George Miller faz em seus filmes de Mad Max: tudo se movimenta muito rápido, com violência e elementos quase de terror.
Idris Elba e Tilda Swinton são a dupla brilhante
Não é à toa que Idris Elba vem chamando cada vez mais atenção em Hollywood e Three Thousand Years of Longing chega para cravar ainda mais uma versatilidade hipnotizante. Em entrevista para a imprensa no Festival de Cannes 2022, onde o filme fez sua estreia, o ator de O Esquadrão Suicida falou sobre o empenho em construir um gênio da lâmpada fora de qualquer estereótipo e que fosse, de alguma forma, humano. Uma missão muito bem sucedida.
Idris Elba equilibra com habilidade seu lado mais imponente e o mais vulnerável, o que torna seu personagem tão transparente quanto enigmático - e poucas coisas são mais humanas do que isso. Enquanto narra suas aventuras passadas para Alithea, existe no Djinn uma mistura entre desespero e exagero, mas é difícil ter certeza do que predomina dentro dele. Temos um personagem confiável ou não? Seria o gênio apenas um charlatão? São mistérios que o diretor deixa para quem está assistindo tentar resolver enquanto a trama caminha. Para esta figura mitológica, a realidade pouco importa: “tudo é real para ele”, disse Elba em Cannes.
Enquanto isso, Tilda Swinton volta com toda a excentricidade que já estamos habituados a ver em suas personagens e que as torna figuras fáceis de gostar, mesmo que pareçam viver em outro mundo. É o caso de Alithea: há um pouco do estereótipo do “cientista maluco” nela porque sua mente parece funcionar em uma frequência muito particular, mas esse jeito aéreo é quebrado constantemente e ela é incrivelmente realista e consciente do mundo em suas falas.
Esta dinâmica entre os dois é o trunfo do filme, que acontece quase que totalmente dentro do quarto do hotel, com exceção dos flashbacks do Djinn. A impressão é de estar assistindo a uma peça de teatro em que o cenário é neutro e a atenção fica completamente voltada à conversa. Vale destacar aqui que, não fosse pelo carisma dos dois atores, Three Thousand Years poderia facilmente se tornar um filme um tanto quanto maçante pelo volume do pingue-pongue de falas.
Three Thousand Years of Longing não tem final?
Ao se concentrar exclusivamente na jornada e na mensagem que quer passar, Three Thousand Years parece deixar de lado o conceito de “início, meio e fim” e fica só com o meio mesmo, como se a história não fosse a lugar nenhum, no fim das contas. Uma interrupção um pouco abrupta dos acontecimentos deixa a sensação de que há pedaços faltando - mas em tempos nos quais manter a mente aberta para outras realidades é fundamental, vale lembrar a importância de saber parar para ouvir.