Perversas coincidências
por Bruno CarmeloO encontro entre um homem angolano e dois suecos dentro de um trem na Finlândia não tem nada de excepcional. O fato de brigarem e causarem a morte de um dos jovens suecos, dentro da cabine do trem em movimento, já é mais raro. A probabilidade de o angolano Dominick (David Nzinga) passar a morar com Vera (Laura Birn), esposa do falecido, é pequena, e as chances de esta mulher escolher por acaso uma escola de defesa pessoal dirigida pelo outro assassino, Jere (Samuel Vauramo), são menores ainda. A ideia de Vera se apaixonar por Jere, carrasco do marido, sem saber o que aconteceu com este, soa quase absurda. Mas a trama não para por aí.
Ao Leste da Suécia não se preocupa com a verossimilhança dos seus atos. Na intricada rede de reviravoltas, há espaço para um homem em perigo abandonar a perspectiva de um futuro melhor para cumprir com a superstição de um terceiro, e para outro correr risco de prisão no intuito de honrar a promessa feita a um desconhecido. O filme dirigido por Simo Halinen pretende colocar os seus personagens em perigo e surpreender o espectador com a maior frequência possível. Para isso, constrói uma curiosa sociedade na qual o trio se cruza sempre pelas ruas, como convém à narrativa. “Tenho a impressão de que todos os problemas do mundo estão interligados”, explica Dominick. Menos dos que personagens reais, eles constituem acessórios de um jogo cinematográfico.
As concessões à realidade abrem caminho a uma incursão intensa no suspense. Com cenas velozes, cortes ágeis na montagem, uma câmera nervosa pulando de um rosto ao outro e luzes contrastadas das lâmpadas de rua, Halinen aposta num senso de urgência à la Paul Greengrass, no qual a confusão dos sentidos também faz parte do espetáculo – se os personagens estão correndo, sem refletir sobre seus atos, é compreensível que o público também não reflita. Estamos no território do cinema-espetáculo, bem concebido em termos de produção, mas vazio em substância. As reviravoltas e ações ocorrem com tamanha frequência e seriedade que beiram a comicidade involuntária. Ao Leste da Suécia deixa a impressão de condensar a temporada inteira de uma série policial num único filme de cem minutos de duração.
Para o espectador disposto a embarcar na jornada, o resultado será, ao menos, uma diversão comprometida com o ritmo ininterrupto. O elenco compreende a intenção do diretor em levar o projeto muitíssimo a sério, encarando tantas perversas coincidências como golpes trágicos do destino, capazes de arruinar as suas vidas e a de seus filhos pequenos. Laura Birn e Samuel Vauramo trazem interpretações comprometidas, já David Nzinga se destaca nos gestos e expressões silenciosas, porém enfrenta dificuldades em sustentar o sotaque africano, que some de modo aleatório em determinadas passagens.
Ao privilegiar o diálogo com os sentidos, o suspense perde a oportunidade de debater os complexos aspectos humanos presentes na trama: imigração ilegal, racismo nos países nórdicos, distúrbios mentais, abandono de menores, contrabando de mercadorias. O material humano é reduzido a ferramenta de apelo emocional. O resultado é como uma montanha-russa de emoções intensas, mas efêmeras, e que não deixam muito material ao fim da experiência.
Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.