Tráfico de ilusões
por Barbara DemerovAinda que Arkansas aborde o tráfico de drogas e a máfia silenciosa, este não é um filme que possui um estilo já esperado dentro do gênero. O modo como a história vai se desenrolando é peculiar, assim como seu ritmo é vagaroso, ganhando intensidade aos poucos. Mas a produção ainda possui elementos bem próprios, como as ações dos protagonistas que vão entrando cada vez mais em um beco sem saída estreito sem possibilidade de fugir - por mais que isso pareça possível.
Com direção e atuação de Clark Duke, este thriller aparenta ser um filme que só tomará sua forma exata em torno da metade de sua duração, mas não é isso o que acontece. Na verdade, por mais que Arkansas pareça não querer entregar o verdadeiro sentido da história tão rápido, é isso o que torna a obra tão interessante. Através de personagens comuns, sem muitas amarras com o mundo afora, o espectador é transportado para uma realidade onde não há muito o que se fazer em uma vida no tráfico.
Exceto, é claro, se eventos inesperados acontecerem. Quando a dupla Kyle (Liam Hemsworth) e Swin (Duke) é obrigada a adaptar sua rotina no tráfico em um local pacato, Arkansas ganha um ritmo que poderia beirar o sem graça, mas é um reflexo do custo de viver a vida do crime. Nem todos os dias são dignos de sequências impactantes, tiros ou violência - e o filme se aproveita destes momentos que podem passar imperceptíveis em outras obras para formar o tom adequado a entregar ao espectador.
Uma vez que Kyle é um personagem isento de relações interpessoais que lhe importam (com exceção de Swin), este é o protagonista ideal para uma trama tão desprovida de grandes acontecimentos. O único mistério na vida do homem é a dúvida quanto a quem seria Frog (Vince Vaughn), o chefe que nunca deu as caras. Quem assiste já possui tal informação, mas a questão fica cada vez mais latente ao passo que Kyle e Swin passam a se sentir ameaçados.
Arkansas remete à falsa tranquilidade que a série Ozark transmite, com cenários amplos e claros atuando como o pano de fundo de uma trama que fala sobre erros, benefício próprio e preços a se pagar. É esta mesma impressão que persiste ao manter os protagonistas distantes da realidade que eles mesmos atraíram (ainda que inconscientemente). Mas, quando a narrativa surpreende o espectador com o perigo iminente, a narração feita por Kyle logo no início faz mais sentido e a obra diz a que veio. A ausência de apego faz com que este filme entregue algo que não é visto com frequência neste gênero: o impacto vem pelo todo, não por um único ato que modifica o rumo da história.