Mamãe, mamãe não chore
por Taiani MendesFilmes sobre atletas costumam dedicar-se em demasiado aos treinamentos e filmes sobre vítimas de doenças raras geralmente privilegiam sua influência na vida da pessoa. Um Dia Para Susana, no entanto, é sobre Susana Schnarndorf Ribeiro, nadadora paralímpica diagnosticada com Atrofia de Múltiplos Sistemas (AMS), e não toma nenhum desses dois caminhos. Dirigido por Giovanna Giovanini e Rodrigo Boecker, o documentário tem um recorte específico - o esforço da atleta, a partir de 2013, para participar dos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro em 2016 -, mas é trata de sentimentos que vêm de muito antes.
Triatleta premiada, Susana foi diagnosticada com a doença degenerativa em 2005 e muito mais não é dito sobre seu histórico médico. Entendemos suas limitações pelo acompanhamento de seus passos, conforme o filme privilegia uma espécie de observação não intrusiva de sua busca pela medalha no RJ e suas relações familiares. Mãe de três filhos, ela nada no interior de São Paulo enquanto os herdeiros vivem com o pai na capital fluminense, o que gera certo atrito motivado especialmente pela carência e pelo afastamento. A distância entre Susana e os filhos é como um reflexo de sua relação complicada com a mãe, moradora do sul do Brasil, e tal "triângulo amoroso" é um dos pontos altos do longa, que trata da maternidade de forma pouco vista nas telonas.
Um Dia Para Susana tem gravações de 2013, 2015 e 2016, e, apesar de acompanhar momentos determinantes, como os campeonatos mais importantes, reencontros familiares e consultas médicas, a sensação que fica no que se refere à montagem é um pouco de colagem aleatória, o que afeta seu ritmo. Revelações sobre Susana e sua condição surgem em suas conversas com outras pessoas (como o trecho em ela lembra experiências ruins com médicos ou expressa pensamentos a respeito da finitude) e as informações mais básicas são acessadas também por participações na televisão. As entrevistas dos cineastas com a atleta rendem desabafos sinceros, mas sem objetivo de induzir o público a chorar. Ela é dona de humor inabalável, adora fazer piadas com a doença e só é flagrada realmente triste após os fracassos profissionais, quando perde as palavras e assume expressão fechada. A equipe do documentário não entra a fundo no seu preparo, com registro de bastidores, aquecimento ou coisas assim, porém a forma como as competições são filmadas é bastante sensível, observando-a como um torcedor focado desde a aproximação da piscina até a saída do raio de visão do público ao fim da disputa. São especiais os trechos em que a câmera se demora na sua reação ainda dentro da água, olhar perdido tentando entender o que aconteceu e recuperando forças para subir as escadas e continuar batalhando pelo seu sonho.
As elipses prejudicam a compreensão do agravamento da condição de Susana e o acesso limitado a sua intimidade, tanto pessoal quanto profissional, oferece ao público uma aproximação meio fajuta, como se nos acostumássemos a conviver e conhecêssemos sua rotina, mas ela continuasse de certa forma inacessível, protegida pela sinceridade bem-humorada que esconde muita coisa. Nota-se acima de tudo, no entanto, que sua relação com o corpo, o movimento e a vitória é seríssima, independente da AMS, e a grande lição que fica é essa determinação dolorosa, que palavras não dão conta e só a piscina sabe.
Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.