Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Tá Rindo de Quê?

Humor sem limites

por Barbara Demerov

Filmes como Lampião da Esquina, Henfil e Divinas Divas retratam diferentes trajetórias sob o mesmo pano de fundo: a Ditadura Militar no Brasil. Desde o golpe de 1964 até 1985, o que os documentários citados retratam são a mesma realidade, por mais que elas tenham se diferenciado nas atividades de cada indivíduo que lutou contra os atos que o militarismo impôs no país. Há também outra similiridade: todos estes universos diferentes se conectaram na resistência através da arte, da televisão, do teatro e do rádio. Sendo assim, onde podemos encaixar a comédia no Brasil feita naquela época? Tá Rindo de Quê? se dedica a contar outra narração sobre a mesma história.

A estrutura do documentário não foge do padrão, mas essa não é a questão principal e muito menos prejudica sua condução. O verdadeiro ouro se encontra nos depoimentos de inúmeros comediantes dos anos de chumbo, com nomes que vão de Carlos Alberto de Nóbrega, Ary Toledo, Agildo Ribeiro, Carmem Verônica, Juca Chaves, Fafy Siqueira e Alcione Mazzeo, passando para momentos com as memórias de Bruno Mazzeo, Lucio Mauro Filho, Regina Casé e Evandro Mesquita. O amplo time de artistas que participaram, direta e indiretamente, daqueles anos cujo governo era baseado na censura e truculência expõe bem suas opiniões acerca de como seus trabalhos permaneceram ativos e fortalecidos. Foi graças à rebeldia de alguns destes nomes (cujos roteiros aprovados pelos militares não eram seguidos) e à inteligente forma de fazer críticas implícitas de outros, que a obscuridade foi dando espaço para a luz - até onde o humor podia alcançar.

Tá Rindo de Quê? consegue ligar vários pontos distintos sobre a ditadura sem sair do tema principal, que é a dificuldade que foi enfrentada por quem se opunha a quem estava no poder naqueles anos. A presença da mulher dentro da comédia, por muitas vezes resumida apenas como a representação de um objeto em tela e uma desculpa para a sexualização nos diálogos entre comediantes masculinos, é abertamente discutida. Fafy, Alcione e Kate Lyra falam sobre suas experiências na época, que não se resumiam somente aos papéis mais profundos que lhe foram negados, e sobre como é importante a presença da mulher, hoje, na frente e atrás das câmeras. Em dado momento, Kate demonstra satisfação ao falar desta importância ao apontar para as cinegrafistas mulheres que ali estavam durante suas entrevistas para o documentário. "É por isso que vamos ficar muito bem no documentário", chega a brincar Alcione.

Além de abordar a temática feminista que foi crescendo durante a ditadura, a pornochanchada é outro ponto a ser destacado pelos diretores. O movimento cinematográfico chegou ao seu auge entre 1975 e 1979, e há a discussão de como os filmes tiveram seu peso durante o período abordado. As obras produzidas naquele momento surgiram a partir da ditadura e expunham a realidade da época, muito mais do que o erotismo.

Ao expor tais movimentos e discussões com as opiniões dos diversos entrevistados, a linha narrativa vai nos levando até os grandes comediantes que já não estão entre nós. Chico Anysio ganha bastante tempo em tela, assim como seu estilo diferenciado e camaleão. Dercy Gonçalves e sua irreverência, importantíssima na questão de ampliar o espaço da mulher no cenário humorístico, também se intercala com um vasto material de arquivo que, além de nostálgico, diverte muito. Programas icônicos da TV como A Família Trapo (criado em 1967), com Jô Soares e Golias, ganham belas homenagens no decorrer do documentário, além de darem a boa noção do quão importantes foram para impor seu espaço, ainda que limitado, no país.

Os diretores Cláudio Manoel, Álvaro Campos e Alê Braga executam o documentário de maneira proveitosa e, acima de tudo, respeitosa para com a nossa história dentro da telinha e da cultura que tanto precisa ser valorizada. Completando este extenso conteúdo com as inesquecíveis apresentações d'Os Trapalhões, é inevitável se pegar sorrindo enquanto os créditos de Tá Rindo de Que? aparecem. Assim como é inevitável sentir uma pontada de nostalgia, tenha acompanhado ou não, a era de ouro da comédia brasileira. São tempos que não voltam de forma literal, mas que podem (e devem) ser revisitados para nos fazer lembrar da nossa própria história.