Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Sócrates

De porta em porta

por Barbara Demerov

Desde a primeira cena, o jovem Sócrates (Christian Malheiros) não tem praticamente um segundo de respiro. Sua urgência em consertar pequenos fragmentos de sua vida - que desmorona em questão de pouquíssimo tempo - é transportada para fora da tela na forma de uma sensação incômoda de impotência, por mais que existam tentativas ininterruptas de fazer com que ao menos alguma coisa dê certo. Do início ao fim esta sensação permanece.

Mas a ideia do diretor Alex Moratto é justamente a de incomodar, seja nos situando dentro de uma realidade comum de pessoas que moram em regiões periféricas ou por simplesmente assumir um tom muito pessoal e próximo ao protagonista. Com a câmera seguindo seus passos e expressões, que compõem um misto de desespero e ansiedade com pequenos vislumbres de esperança, a direção é seca e direta, assim como os cortes que vão montando a sequência de adversidades de Sócrates, que ainda precisa lidar com o preconceito por sua preferência sexual.

O roteiro também não fica muito atrás na questão de ser austero e impactante. Da mesma forma que a vida é dura com Sócrates, ele também carrega uma carga muito pesada referente ao passado, o que o deixa suscetível a enfrentar com mais rigidez algumas pessoas e situações num primeiro momento. Mas o que o torna mais interessante são suas nuances, comuns em qualquer ser humano, que são trabalhadas com esmero pelo diretor e interpretadas com uma sinceridade potente de Malheiros. Não é correto dizer que ele se torna vulnerável em dados momentos, pois, na verdade, a maneira como ele se porta com Maicon (Tales Ordakji) ou com seus parentes (exceto seu pai, a origem de toda essa severidade) só é um reflexo de seu verdadeiro eu, longe dos escudos que precisaram ser colocados para sobreviver.

Produzido por alunos do Instituto Querô na Baixada Santista, Sócrates é um exemplo de dedicação e perseverança audiovisual no Brasil e pode abrir um leque de possíveis obras originadas de jovens que têm um olhar particular, especialmente se estas têm a chance de abordar temas que já lhe são familiares. Tal identificação certamente auxiliou no processo de composição da história, com bom aproveitamento da fotografia e do som. Há certas irregularidades no que se refere à iluminação e mudança de cenários, mas nada que prejudique amplamente o resultado final - sendo as atuações de Malheiros e Ordakji os combustíveis para tudo fluir naturalmente.

Se o filme abre com a morte do ente mais querido de Sócrates, ele fecha com o possível renascimento do jovem, que vive e coleciona aprendizados sem qualquer tipo de suavização. Por bem ou por mal, ele vê que a melhor companhia que pode ter é a dele mesmo. O espectador acompanha um momento importante (se não essencial) da vida do protagonista, no qual ele se encontra com seu lado mais íntimo e enfrenta montros internos e externos a fim de simplesmente viver mais um dia. A comovente cena final mostra que até mesmo no mais triste adeus mora uma chance de renovação para Sócrates, sem que isso o afaste de sua verdadeira essência.

Filme visto no 26º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2018.