O papel dos homens no feminismo
por Bruno CarmeloVed sempre acreditou que mulheres com roupas curtas estão pedindo para serem assediadas. Ele pensa que os homens não conseguem controlar seus impulsos, por isso mulheres deveriam sair de casa apenas com seus maridos, e jamais à noite. O adolescente ouve a mãe reclamando dos abusos físicos e verbais sofridos do pai, mas ordena que ela pare de reclamar e volte a cozinhar. De acordo com o filme, Ved é um garoto comum de Mumbai, na Índia, e suas ideias refletiriam àquelas da maioria dos homens. No entanto, seu raciocínio começa a mudar quanto ele integra um projeto extracurricular, o MAVA - Men Against Violence and Abuse, destinado a ensinar garotos a respeitar as mulheres.
A iniciativa do projeto, assim como a do filme, soa bastante simples. Enquanto os professores Harish e Aspar montam peças de teatro didáticas, nas quais uma garota é invariavelmente assediada e, no final, alguém alerta o público de que isso é errado, o documentário ajusta sua câmera como pode, treme bastante de um rosto ao outro, mergulha na escuridão dos espaços internos, perde detalhes do som em meio ao barulho das ruas. A diretora finlandesa Inka Achté dispõe de poucos recursos, tanto de orçamento quanto de linguagem cinematográfica, para trazer o debate à tona, porém o faz com a maior atenção possível.
Talvez a impressão de amadorismo e de superficialidade do discurso provenha do olhar ocidental a uma realidade oriental. Ver professores instruírem seus alunos a respeitarem mulheres “porque poderiam ser suas mães e irmãs” transpareceria o paternalismo – as mulheres não seriam todas dignas de respeito, independente de suas relações com homens? O argumento de outra professora, sustentando que o horário em que ocorreu o estupro “nem era tão tarde” também soa supérfluo, pois não há horário aceitável para a violência. Mesmo assim, é preciso levar em consideração que os discursos são dirigidos a crianças e pré-adolescentes muçulmanos, de pouca instrução e baixa renda, que dificulta o acesso a pensamentos diferentes daqueles de suas comunidades. Talvez o pequeno esforço dos professores, majoritariamente homens, seja de fato revolucionário em sua pretensão quixotesca de enfrentar o sistema.
Para representar um engajamento claro, Achté opta por recursos questionáveis. Quando a mãe de Ved relata os abusos domésticos, a câmera se foca no rosto do filho, ao invés da mulher, e interrompe a cena antes que ela termine sua história. Quando o garoto e um amigo encontram duas meninas da mesma idade, uma estranha trilha sonora sugere romance. Ora, a ideia não era dizer que relacionamentos entre homem e mulher não precisam passar pela sedução? Em outros momentos, o uso de duas câmeras para criar planos e contraplanos durante os diálogos soa artificial, além de restringir o caráter naturalista das mesmas. Pela pedagogia típica às parábolas, fábulas e contos, Boys Who Like Girls não resiste à vontade de se aproximar da ficção.
Ao menos, o documentário destrincha o importante tema da função masculina dentro da luta pelos direitos das mulheres. O filme não efetua uma autocrítica – ele confere o protagonismo aos homens, ao invés de escutar também as educadoras mulheres –, no entanto, explicita a noção de que o respeito pelas relações de gênero passa tanto pelo empoderamento feminino quanto pela reeducação dos homens. O filme evita criar uma discussão ideológica ou histórica sobre as raízes do machismo (a religião ou a política governamental sequer são mencionadas), porém percebe um desnível moral inaceitável nesta configuração social, e decide denunciá-lo. É um bom começo.